Têm entre 35 e 45 anos, ganham menos 30% do que o salário médio nacional o que, no caso de Portugal, os colocaria sensivelmente no salário mínimo nacional. Têm emprego, conduzem carro, não se interessam nem pela política nem pelo Parlamento. Não se reveem em sindicatos. Não querem saber de partidos. Interessam-se pelo preço da gasolina. Os impostos absurdos que pagam. O salário que não têm. São licenciados, muitas mulheres e reformados.

Eis o retrato dos coletes amarelos em França. Só não incluem quem ainda não iniciou a vida ativa e paga as suas próprias contas. Foram para a rua à exigir ser atendidos diretamente por quem manda. Enquanto não foram atendidos, gritaram ao lado de um grupo mais pequeno mas sonoro de arruaceiros que tornaram o protesto politicamente insustentável e, por causa disso, eficaz. Os fins nunca justificam os meios, mas foram os meios que fizeram vergar Macron.

Eis o retrato dos coletes amarelos que se converteram em heróis nacionais para a classe média e baixa de Portugal. E com razão. É demasiado tentador não pensarmos “e se fizéssemos o mesmo?”. Oito anos depois da intervenção da troika em Portugal e do programa de ajustamento mais agressivo de que há memória, simplesmente habituámo-nos a viver assim. Os impostos não baixaram, aumentaram. A economia cresce mas isso não se traduz em alívio para os portugueses. Para salários mais altos, para menos carga fiscal, para melhor serviço público.

Se em França os partidos dos extremos correram a celebrar e galvanizar este movimento popular, em Portugal, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista provam finalmente o amargo da gaiola dourada em que se colocaram: aliados do Governo, estão de mãos atadas em relação ao povo de quem dizem ser a voz.

Galvanizados pelo exemplo francês, eis que parece haver um movimento a organizar-se para repetir a façanha e tentar exercer a mesma pressão sobre o Governo português. O sucesso é duvidoso. França é o último bastião das forças sindicais. O país que escapa aos procedimentos por défices excessivos, mesmo que ultrapassem os 3% do PIB como acontecerá em 2018 e que já recebeu de Bruxelas luz verde. Em Portugal vivemos pior mas temos menos raiva. Porventura menos orgulho também. Mas não se confunda o silêncio ou protestos pouco consequentes com prosperidade económica e sintoma de boa governação.

A contestação desapareceu das ruas apenas porque foi dado um lugar à mesa aos partidos que estavam votados à copa e que mobilizavam a rua. À direita, a contestação traduziu-se em abstenção. Sem representação parlamentar, os coletes amarelos de Portugal somos todos nós. A maioria não sai esta sexta-feira às ruas para protestar, mas também dificilmente sairá do sofá para ir votar em outubro. Votar em quê?

Se é verdade que deixámos de falar em instabilidade política – uma grande maioria dava por certa uma vida curta à geringonça em 2015 –, o sentimento que se instalou em Portugal hoje é o de conformação. Não há pior que isto.

Aceitámos uma das maiores cargas fiscais da Europa como a sexta quina da bandeira de Portugal. Aceitámos a deterioração do Serviço Nacional de Saúde como se um sistema bem servido fosse luxo de rico. O discurso “Não Há Alternativa” só tem um novo rosto, o da esquerda. E tudo isto aceitámos com os nossos brandos costumes. Vestimos um colete amarelo pouco vivo na esperança que alguém lhe dê voz.