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João Leão considera que decisão de Marcelo é inconstitucional e “abre precedente muito grave” (com áudio)

João Leão mantém que consegue acomodar os 40 milhões de euros mensais das medidas promulgadas por Marcelo sem necessidade de um Orçamento Retificativo. Sobre o Novo Banco disse que só depois de lidos e avaliados os resultados da autoria será feita a transferência do Fundo de Resolução.
  • Ministro de Estado e das Finanças, João Leão
31 Março 2021, 01h29

O ministro das Finanças, João Leão, disse numa entrevista ao programa “Tudo é Economia” da RTP3 que a promulgação de três diplomas sobre apoios sociais urgentes, decidida pelo Presidente da República no domingo passado, é inconstitucional e “abre um precedente muito grave”.

Em causa estão diplomas que alargam os apoios sociais a sócios-gerentes e trabalhadores independentes, aos profissionais de saúde e ainda apoios a 100% aos pais em teletrabalho com filhos em casa, e que foram aprovados na Assembleia da República a 3 de março, com os votos favoráveis de toda a oposição. O Governo diz que estas medidas aumentam a despesa pública em 40 milhões de euros por mês.

“O que está em causa neste alargamento não é a bondade da medida em concreto, mas o princípio do que foi seguido”, disse o ministro das Finanças. “Dentro do conjunto de medidas que o Governo lançou para apoiar a economia, esta medida altera uma das medidas do Governo no sentido de mudar o modo de cálculo da medida, orientando-a para a faturação e não para o rendimento”, explicou.

“Mais do que a bondade ou mérito e impacto financeiro da medida, o que está aqui em causa é um princípio de violação de uma norma da Constituição”, frisou.

“É um procedimento que tem de ser avaliado com muita ponderação e responsabilidade por todos, porque estar a violar uma norma da Constituição que serve para garantir a estabilidade financeira do Estado, em nosso entender, é um precedente que pode ser muito grave”, disse o ministro das Finanças, que admitiu que o Governo está a avaliar a possibilidade de pedir a fiscalização de constitucionalidade dos diplomas.

“A Assembleia da República aprovou o Orçamento do Estado e a quem cabe executá-lo durante o ano é ao Governo, e isso é consagrado na Constituição”, defendeu João Leão, aludindo à norma constitucional designada por lei-travão, a qual serve para garantir que “ao longo da execução do Orçamento a Assembleia da República não o desconfigura, ou garante que a Assembleia não faça com que o Orçamento que aprovou seja ultrapassado na execução de despesa”.

Risco admitido por Marcelo

João Leão lembrou que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa reconhece o risco de aumento da despesa pública inerente aos diplomas que promulgou. “Os três diplomas em análise implicam potenciais aumentos de despesas ou reduções de receitas, mas de montantes não definidos à partida, até porque largamente dependentes de circunstâncias que só a evolução da pandemia permite concretizar. E, assim sendo, deixando em aberto a incidência efetiva na execução do Orçamento do Estado”, refere o texto da promulgação divulgado pelo Presidente da República.

Os 40 milhões por mês implicam uma despesa que está indexada à duração do confinamento e João Leão disse que o Governo iria “tentar enquadrar isso dentro do Orçamento da Segurança Social”.

Mas “também há outras medidas que o Parlamento aprovou que não têm um impacto imediato, porque as medidas que procuravam atingir vão ser retiradas, mas que no futuro, em face de novas medidas de confinamento, terão um impacto financeiro que pode pôr em causa o Orçamento”, disse ainda.

Sem necessidade de Retificativo

“Neste momento não vemos necessidade, pelo menos para já, de um Orçamento retificativo”, garantiu João Leão.

O Estado fechou as contas de 2020 com um défice de 5,7% do PIB, abaixo do previsto no Orçamento Suplementar. Leão disse que foi do lado da receita que saiu a melhoria do défice, pois o Governo gastou mais nas medidas de apoio à economia, famílias (mais 800 milhões) e saúde, onde também gastou mais do que tinha previsto.

“Temos mais receita prevista este ano”, disse o ministro, admitindo um défice de entre 4,5% e 5% em 2021. João Leão disse que “já executou no trimestre deste ano o equivalente que tínhamos previsto este ano”.

O défice orçamental de 2021 vai ser superior ao que estava inscrito no Orçamento do Estado (4,3%), mas o Governo só vai revelar a nova projeção do défice no Programa de Estabilidade, que será apresentado em meados de abril.

“Não temos previsto aumentos de impostos no próximo ano”, garantiu o ministro.

Transferência mais reduzida do Fundo de Resolução

Questionado sobre o pedido de 598,3 milhões de euros do Novo Banco ao Fundo de Resolução, o ministro disse que “é um primeiro passo neste processo”. João Leão disse acreditar que depois das verificações e validações feitas por outras entidades (incluindo o Fundo de Resolução) “esse valor vai ficar significativamente abaixo”.

“Espera-se muito em breve a auditoria que está prevista na lei e só depois disso é, lendo e avaliando os resultados, o Fundo de Resolução fará essa transferência”, garantiu o ministro das Finanças.

O ministro das Finanças garantiu assim novamente que a transferência do Fundo de Resolução ao Novo Banco será feita, mas que o valor final ficará “significativamente abaixo do previsto” no Orçamento (cerca de 480 milhões de euros). Além disso, João Leão voltou a realçar que o financiamento virá do sector financeiro, através de um empréstimo de outros bancos ao Fundo de Resolução, sem envolver verbas do Orçamento de Estado.

Quanto a uma nova injeção por parte do Fundo de Resolução no Novo Banco em 2022, o ministro das Finanças disse que “é cedo para fazer essa avaliação”. Apesar de no Orçamento de Estado para 2021 não ter ficado prevista qualquer injeção de verbas no Novo Banco por parte do Fundo de Resolução, o Governo pode avançar com essa operação sem ter de pedir nova autorização à Assembleia da República, de acordo com a edição desta terça-feira do “Público”.

Sobre a TAP,  o ministro das Finanças limitou-se a dizer que “uma parte importante” das ajudas do Estado à transportadora aérea será para “converter em capital”, capitalizando a empresa de aviação e criando condições para que se torne autónoma. A TAP pode receber até 3.172 milhões de euros do Estado até 2024 e o seu plano de recuperação prevê o regresso aos lucros a partir de 2025.

O ministro das Finanças garantiu também estar convencido de que há condições políticas para a aprovação do OE de Estado de 2022, no qual será mais um teste de fogo para o Executivo de António Costa na Assembleia da República.

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