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João Valle e Azevedo: “A União Europeia deveria repensar as barreiras comerciais”

Em entrevista ao Jornal Económico (JE), João Valle e Azevedo, doutorado em Economia pela Universidade de Stanford, e atual deputado do PSD na Assembleia da República, contando ainda com passagens pela NOVA e pela Universidade Católica como docente, aborda a política de tarifas que tem sido seguida pelos Estados Unidos e o impacto que pode ter nos vários parceiros comerciais, como Portugal, a União Europeia, e a China, e qual deve ser a postura do BCE e da Fed no atual contexto mundial.
António Cotrim/lusa
15 Maio 2025, 07h00

É doutorado em economia pela Universidade de Stanford e tem passagens no ensino pela NOVA, pela Universidade Católica, e pela Universidade Autónoma de Lisboa. A isto junta-se a chefia da Divisão de Política Monetária do Departamento de Economia e Investigação do Banco de Portugal e Membro do Comité de Política Monetária do Eurosistema. No campo político foi eleito na atual legislatura pelo PSD à Assembleia Legislativa da República.

Em entrevista ao Jornal Económico (JE), feita numa altura em que os Estados Unidos anunciaram uma pausa de 90 nas tarifas e ainda sem se saber do acordo para baixa das tarifas entre Estados Unidos e China, João Valle e Azevedo aborda a política de tarifas que tem sido seguida pelos Estados Unidos e o impacto que pode ter nos vários parceiros comerciais, como Portugal, a União Europeia, e a China.

Relativamente à União Europeia, João Valle e Azevedo considera que existe um excesso de burocracia e de barreiras comerciais que são necessárias repensar. Recomenda também que União Europeia e Estados Unidos se sentem à mesa com o intuito de discutir as tarifas.

Face ao atual clima João Valle e Azevedo considera que Portugal deve procurar o aprofundamento de relações com outros parceiros, dando como exemplo o mercado da Ásia, também na Ásia, eventualmente com a China, e também alargar e aprofundar acordos comerciais como o do Mercosul.

Relativamente ao pacote de auxílio português, de 10 mil milhões de euros, para mitigar o impacto das tarifas, João Valle e Azevedo considera que face ao atual contexto a verba deve ser suficiente, mas refere que caso seja necessário podem existir adaptações.

Relativamente ao Banco Central Europeu (BCE) e à Reserva Federal norte-americana (Fed) João Valle e Azevedo destaca a importância da tomada de decisão ser cautelosa.

Como é que viu o mais recente desenvolvimento no campo das tarifas que ditou uma baixa significativa nas tarifas entre a China e os Estados Unidos?

É difícil perceber a administração Trump, se o Governo quer ter o mundo com mais tarifas ou se isto não passa de uma estratégia negocial para conseguir concessões tarifárias e outro [tipo de concessões] em outras áreas. Acho que há uma vontade de recuar, obter um acordo com tarifas mais altas do que existiam mas não tão destrutivas como as que estavam, o que seria um rombo no comércio entre os dois países.

Acho que a reação dos mercados é o que move a maior parte dos sucessivos recuos da administração norte-americano. Neste contexto este recuo é consistente com as reações que tivemos no passado recente.

No seu entender, a postura de Portugal tem sido a mais indicada ou existiriam aqui outro tipo de medidas que o Governo português deveria defender no que diz respeito às tarifas?

Há duas perspetivas, uma é sobre as medidas de mitigação dos efeitos do choque. E aí o que o Governo anunciou com aquele programa Recuperar é basicamente liquidez, é dar segurança às empresas, de que liquidez não faltará, via Banco Português de Fomento e há também uma intenção de apoiar mais o crédito da exportação e ter algum novo programa de incentivos para apoiar a exportação e a internacionalização.

Portanto, isto, genericamente, é a direção que me parece adequada. É garantir que há liquidez, é garantir que se consegue exportar, e redirecionar exportações caso seja necessário. E apoio à exportação e internacionalização para novos mercados.

É difícil antecipar se haverá necessidade das empresas em recorrer a estes apoios, mas eles estão lá e é uma rede de segurança. Isto parece-me positivo. Em relação à atitude geral face às tarifas, e à potencial resposta que não depende tanto de nós, depende da União Europeia, parece haver algum consenso e alinhamento. E isso é positivo.

E acho que é também muito sensato. É o de não hostilizar, o de não provocar, o de apelar às negociações, o de apelar a que os Estados Unidos e a União Europeia se sentem à mesa. Temos de apoiar o diálogo, temos de apoiar uma racionalidade à mesa das negociações. E por outro lado também me parece haver a intenção de alargar, de aprofundar acordos comerciais com outros parceiros.

Nomeadamente a questão do acordo do Mercosul …

Nomeadamente o Mercosul.

Parece-lhe que esse acordo pode, tendo conta a política comercial que os Estados Unidos quer seguir [com as tarifas], ser reforçado e se encontre aí novos parceiros para as exportações portuguesas e até europeias?

Espero que sim. Seria muito positivo. Não compensa totalmente. Isso é evidente, temos de reconhecer. Qualquer agravamento das tensões comerciais, qualquer barreira adicional de exportação para os Estados Unidos terá sempre efeitos que não são passíveis de serem totalmente compensados. Os Estados Unidos são cerca de um quarto da economia mundial. O Mercosul não compensa isso. Pode compensar parcialmente. Por exemplo, no caso de Portugal, em produtos agrícolas, do vinho, do azeite, etc. Isso pode ser até um novo mercado muito interessante.

E no caso de Portugal pode haver uma vantagem desproporcional, face a outros países, até pelas relações que temos e pelos canais [que o país possui]. Agora, não podemos ter ilusões, não vai compensar totalmente. Por isso é que também considero que deve haver um aprofundamento de relações com outros parceiros, também na Ásia, eventualmente com a China, mas não entrando em nada que se pareça com o Comércio Livre de imediato. Porque existem relativamente à China outras preocupações. Há preocupações de regulação, da qualidade dos produtos, em que a Europa tem que ter uma posição se calhar também mais equilibrada, e mais aberta. Mas deve manter alguns critérios.

Ou seja, fazer a aproximação mas ter algumas exigências ao nível do controlo de qualidade ….

Exatamente. Pode ter alguma abertura. Mas esta linha às vezes é ténue. O que são barreiras? O que são tarifas reais e aquilo que são tarifas implícitas ou tarifas escondidas? E a Europa também tem de fazer um esforço, quer com a China, quer com os Estados Unidos, para perceber se as tarifas implícitas, as tarifas invisíveis que impõem são razoáveis.

Um dos argumentos utilizados pelos Estados Unidos para ter avançado com tarifas comerciais a vários parceiros comerciais, incluindo a União Europeia, foi de que existiam não só as tarifas mas também barreiras comerciais à entrada dos produtos norte-americanos noutros mercados. Esse argumento que os Estados Unidos utilizaram pareceu-lhe razoável?

A adequação do número [referindo-se ao nível das tarifas norte-americanas anunciadas no início de abril], as eventuais barreiras é algo especulativo. É algo ficcional. Mas que há barreiras há. Nós temos de reconhecer que há barreiras implícitas, que há barreiras não monetárias. Nós temos exigências, por exemplo, ao nível da qualidade de segurança alimentar e por vezes tratamos os Estados Unidos como se fossem irresponsáveis nesse campo. A Food and Drug Administration (FDA) não quer os americanos intoxicados.

Agora, há uma atitude [por parte da Europa] que pode ser diferente, porque a Europa regula antes de perceber se há efeitos nocivos. Quase que tem que haver uma prova negativa de que não há efeitos negativos antes de se permitir novos produtos. E se calhar a atitude americana que se aplica, aqui é mais em geral, é de que só vamos regular se se encontrarem efeitos negativos. Os europeus gostam de regular e gostam de antecipar todo e qualquer risco ou então de promover barreiras para proteção de determinados setores.

Nesta fase acho que devemos estar dispostos a dialogar, com um parceiro como os Estados Unidos, que é um parceiro essencial, ao nível comercial, militar, etc., mas também temos de fazer um exame de consciência. Em relação a estas barreiras em relação aos Estados Unidos e em relação à China.

Nós sabemos que há pouco tempo tivemos uma imposição de tarifas [referindo-se à Comissão Europeia] aos veículos elétricos chineses.

E isso aconteceu muito antes desta guerra comercial ….

Com o argumento de que haveria dumping (termo usado para nos referirmos à venda de produtos a um preço que não reflete o seu custo real).

Até houve uma investigação da Comissão Europeia que depois levou à aplicação de tarifas aos veículos elétricos chineses que variavam consoante a cooperação que os fabricantes tiveram com a investigação europeia …

Que critério é esse ??? Não houve uma determinação de preço nenhum, de dumping, ou seja do que for. Foi uma medida protecionista da indústria europeia que se atrasou no desenvolvimento de veículos elétricos.

Não é com barreiras que a indústria automóvel europeia vai evoluir. Nunca as indústrias evoluíram com proteção contra a concorrência. Só evoluíram com concorrência. É assim, sempre foi assim. A União Europeia, por vezes, no mercado interno, em relação às regras de concorrência, tem esta atitude e por vezes quando olha para o comércio internacional e para as relações com a China, pensa de maneira oposta.

Do seu ponto de vista, pelo menos do lado da União Europeia, existe um excesso de burocracia e de barreiras comerciais, que deveriam ser repensadas de modo a facilitar o comércio ao nível internacional?

Sim. Deveriam ser repensadas e a União Europeia deveria estar aberta a revisita-las. Tendo alguns standards e exigências claras e percetíveis.

Relativamente aos 10 mil milhões de euros que o Estado português vai disponibilizar para dar resposta aos impactos das tarifas acredita que essa verba será suficiente?

Acho que sim. Isto pode sempre ser adaptado. Em relação às linhas do Banco de Português de Fomento, também admito que possam ser expandidas. Mas tudo poderá ser reavaliado. Não acho que sejam medidas estanques que não possam ser adaptadas.

Há um reforço muito significativo do apoio à exportação. Depois há medidas que não oneram imediatamente, diretamente o orçamento do Estado a não ser aqueles apoios à internacionalização que são cerca de 200 milhões de euros. Que são programas de incentivos do Portugal 2030 para apoio à exportação. Ainda não há aqui uma oneração direta do Orçamento de Estado a não ser pela prestação de garantias e por estes apoios mais diretos.

Perante os choques, dependendo da dimensão, tudo poderá ser rapidamente adaptado. Mas para já como rede de segurança acho que é adequado. E contrasta, por exemplo, com o pacote espanhol que é de cerca de 14 mil milhões de euros. Portanto, eu acho que devemos ver [programa português] como uma rede de segurança que está lá, sempre adaptável, sempre escalável. Mas para o momento e para o efeito acho que é suficiente.

Se num cenário extremo em que de facto a União Europeia e os Estados Unidos entrem numa guerra comercial, tal como tem acontecido com os Estados Unidos e a China, acredita que o nosso tecido exportador é suficientemente diversificado caso exista uma fuga ao mercado norte-americano?

Eu acho que no caso de Portugal o problema não é tanto o efeito direto. Apesar dos Estados Unidos serem o nosso quarto parceiro comercial, nós temos as exportações apesar de tudo, bastante diversificadas.

Mas eu diria que é acomodável, ou seja, nós temos capacidade de redirecionar ou de absorver parte do choque. Eu acho que o grande problema para uma economia como a portuguesa são os efeitos indiretos, o que resulta dos efeitos nos outros parceiros que são nossos clientes, que são nossos fornecedores, e para onde também exportamos.

Por exemplo qualquer choque na indústria automóvel alemã tem repercussões em Portugal.

Não é que nós, ou outro país individualmente considerado, não se conseguisse adaptar, mas os efeitos indiretos do choque, o efeito no Bloco Europeu ou na China, esse é o que mais me preocuparia. Porque eles são nossos clientes e se tiverem uma recessão mais ou menos profunda, isso afetará, inevitavelmente, as nossas exportações para eles.

Do seu ponto de vista, qual deveria ser a posição dos bancos centrais tanto o norte-americano como o europeu?

Eu acho que tem que ser de cautela, de cautela extrema. O choque tarifário pode ser interpretado mais facilmente como um choque de oferta, que provoca alterações de preços relativos que podem ser significativas. E que tendencialmente, como há rigidez à baixa de alguns preços tendencialmente gerará inflação. Isto depende dos blocos e depende do comportamento também das moedas. Porque nós podemos ter, por exemplo, em relação aos Estados Unidos um grande aumento de preços, de preços relativos, de preços de bens americanos, mas depois podemos ter uma desvalorização forte do dólar.

Aliás é o que tem acontecido ultimamente [desvalorização do dólar] ….

Mas a desvalorização do dólar pode compensar o aumento dos preços dos bens americanos, no limite.

Essa desvalorização do dólar facilitaria as exportações norte-americanas …

Tipicamente era esse o efeito desejado, a desvalorização da moeda quando se queria resolver ou aliviar ou fechar o défice comercial, ou o défice das transações correntes, era desvalorizar a moeda.

Pode haver uma assimetria entre os Estados Unidos e a União Europeia. Os efeitos na inflação podem ser diferentes por esta razão. Porque não podem as duas [moedas] desvalorizar ao mesmo tempo. Ou desvaloriza muito mais o dólar ou muito mais o euro. Mas depois há os spillovers (efeito de derrame). Eu admito que possa haver, como é um choque de oferta.

O mais provável é que numa primeira fase, caso o choque se materialize, o impacto seja inflacionário. Agora, se sim o é, há boas razões para o acomodar, ou seja, para não reagir imediatamente.

A estratégia vigente do BCE, a estratégia de política monetária, é muito clara a esse respeito.

Na altura da pandemia [em que começou a subir a inflação], o BCE acabou por ter uma postura que do seu ponto de vista fez sentido?

Fez total sentido. O que eu quero dizer é que tem que ter, se usar exatamente os mesmos critérios, não vai começar a reagir imediatamente [referindo-se aos dias de hoje]. Não vai reagir com agressividade e imediatamente. Tem de esperar, tem de perceber a natureza do choque e os seus efeitos e tem de perceber se contribui alguma coisa para mitigar os efeitos desse choque.

Vamos imaginar um cenário em que esta guerra comercial das tarifas faz subir a inflação. Do seu ponto de vista, pelo menos do lado do BCE, a resposta deve ser cautelosa, ou seja, ver os indicadores e depois estabelecer se faz sentido subir as taxas [de juro] ou não ….

Certo. Imaginemos que as tarifas são de facto impostas ainda este ano. Se o efeito for inflacionista neste ano, vamos ver inflação. No ano seguinte por essa via não há razão para vermos inflação. O sistema dos preços relativos já se deu. Não há nenhuma razão fundamental para continuarmos a ter esta inflação. Portanto, é uma inflação que se quiserem é não monetária. Resulta de uma alteração brusca de preços relativos. Mas não é monetária, não tem uma génese monetária de excesso de liquidez ou taxas demasiado baixas.

E o mesmo relação em relação à Reserva Federal norte-americana (Fed). Com a vantagem de que a Fed tem um mandato dual. Tem que se preocupar com a inflação, mas tem que se preocupar também com o crescimento económico.

O BCE usa esta orientação de médio prazo, também tendo em conta outras considerações relevantes. Se mais tarde o BCE começasse a reagir brutalmente para tentar pôr a inflação no target (objetivo) a cada instante, isso também perturba a economia real. Mas o BCE tem mais dificuldade em argumentar que está a olhar para a economia real. No caso da Fed, esse trabalho é facilitado.

Não estou a ver a Fed a querer contribuir para uma crise económica, para uma recessão.

Acredita que se houver uma intensificação desta guerra comercial pode existir o risco de se entrar em recessão quer seja dos Estados Unidos ou até termos globais?

Tentamos encontrar aqui alguma racionalidade. Eu ainda acho que a administração americana e a União Europeia se vão sentar à mesa e dialogar, chegar a um acordo, por curto que seja. Também acho que a União Europeia também pode continuar a fazer o seu trabalho, com outros parceiros comerciais como o Mercosul.

Parto do princípio que ainda há uma racionalidade que se sequer o bem-estar geral e não sequer provocar recessões. Agora é evidente que há a possibilidade das negociações falharem, de se extremarem posições e de se entrar num conflito aberto. Não podemos excluir isso à partida. Há esse risco, não podemos exclui-lo a 100%.

Se houver esse confronto aberto, esse escalar das tensões, é claro que isto pode ter efeito um efeito recessivo que eu julgo que será, dados os vários posicionamentos, será até mais preocupante no caso dos Estados Unidos porque se meteram numa camisa de forças. Mas o spillover para a economia mundial e para a área do euro será sentido. Não tenho qualquer dúvida.

Agora, ainda conto e acho que devemos contar com a racionalidade dos Governos, no sentido de procurarem uma solução.

Uma recessão nestes vários blocos e na economia mundial, será puramente autoinfligida. Custa a acreditar, mas pode acontecer.

Esta política comercial que tem sido defendida pelos Estados Unidos, principalmente durante o mês de abril, pode chegar a bom porto? Se esta guerra de tarifas, entre Estados Unidos e China, num cenário de acalmia ou agravamento, que efeitos pode ter ao nível do comércio mundial?

Eu estou a ver a China com uma posição bastante determinada. Até dura. Ao contrário do que temos visto com outros blocos e com outros países, a China está a ter uma posição muito determinada, o que pode dificultar um acordo. Que se conjuga com a posição também muito inflexível, ou pelo menos que não dá grande margem e não dá grande abertura dos Estados Unidos. Os Estados Unidos, a atitude geral parece ser, quando não há retaliações, eles parecem dispostos a conversar. Quando há retaliações, o sentido tem sido na direção de escalar a tensão. No caso da relação com a China, parece mais difícil o recuo de um e de outro.

No caso dos outros blocos, será menos.

A China e os Estados Unidos são dois dos três maiores blocos, a par da União Europeia. Se houver conflito entre China e Estados Unidos, mesmo que haja alguma compensação nas relações entre China e União Europeia, vai ter um efeito significativo no comércio mundial e na economia mundial, não tenho dúvida nenhuma.

A China tem esta posição inflexível mas também tem muito poder negocial. E depois os Estados Unidos podem, apesar de manterem publicamente uma certa rigidez, depois há, digamos, as relações reais ou os casos concretos reais.

Como já se viu, houve recuo, porque às vezes não se percebe se é um recuo, ao nível por exemplo dos produtos eletrónicos e dos computadores.

Há outro exemplo que vi no outro dia em que 80% dos brinquedos vendidos nos Estados Unidos são chineses. Eu não sei se os Estados Unidos querem voltar a ser uma potência no fabrico de brinquedos. Mas quer dizer, deixar de ter o maior fornecedor de brinquedos, do dia para a noite …

Fazer a mudança da produção para os Estados Unidos demora o seu tempo, se é essa a intenção dos norte-americanos ….

Naquelas indústrias em que os Estados Unidos podem reagir rapidamente, a imposição de tarifas pode efetivar-se. Em todos os outros casos, e que são muitos, que são a maioria, dados esses efeitos e esse tempo para o ajustamento, é inconcebível não haver mesmo recuo. Como houve nos computadores e nos produtos eletrónicos por exemplo. Porque se não os Estados Unidos estão a dar um tiro no pé.

A posição [dos Estados Unidos] pode ser inflexível e publicamente pode continuar a ser inflexível, mas eu tenho muita dificuldade em conceber que não haja recuo, não diria em toda a linha, mas nas várias linhas em que o consumidor americano tem necessidade. Porque se não é um custo autoinfligido em relação a uma série de produtos que só a China produz ou em que produz a maioria da procura americana.

A intransigência é um custo direto para o consumidor americano sem nenhuma perspetiva rápida de compensação por via da produção norte-americana.

Sumariando no caso da China eu acho que podemos assistir a estes recuos cirúrgicos dos Estados Unidos em vários bens e produtos. Eu acho que no final pode-se manter a retórica. Ou seja, mantem-se a retórica de tarifas, ou melhor, mantém-se uma retórica dura mas depois na prática pode ser menos dura. Acho que pode ser esta a saída, ou uma das saídas, porque manter a dureza nas palavras e na prática das tarifas, isso é uma dor auto infligida difícil de conceber.

Se há alguma coisa em que a administração americana possa também ser sensível é aos efeitos de tudo isto no mercado de capitais

Tem existido uma grande fuga de dinheiro dos mercados norte-americanos …

Se parece que temos um mundo com tarifas e um mundo sem comércio, há crash. Se há algum alívio, há um boom. É esta a direção e a administração americana percebe isto. Quando há boas notícias ao nível do comércio, há um boom. Quando [os Estados Unidos] mantém a inflexibilidade há um crash. E portanto, [o Governo norte-americano] sabe perfeitamente que havendo um agravar de tensões, havendo a imposição efetiva de tarifas sem os adiamentos, o efeito no mercado de capitais só pode ser um. E o efeito nas poupanças dos americanos só pode ser um. Isto pode e deverá refrear qualquer determinação mais anti-comércio.

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