Seria por certo pela sua compleição física e pela facilidade com que “levava tudo à frente”, numa revoada que mostrava a força das suas convicções, que João Vasconcelos, ex-secretário de Estado da Indústria mas principalmente o mentor da aposta nacional nas startups, falecido esta semana aos 43 anos, ganhou, nos corredores da faculdade, a alcunha de ‘javali’. Um amigo desse tempo – que prefere não ser identificado – conta que “o João queria fazer coisas”, não aguentava estar parado a ver acontecer.
Quando chegou aos corredores da Universidade Lusíada, numa altura em que os currículos pessoais ainda costumam caber na frente e por vezes no verso de uma folha de bloco-notas, João Vasconcelos já assumia a ‘paternidade’ de uma empresa “que não tenho a certeza de ser um aquaparque, ou uma coisa no género”, fundada em Leiria, cidade de onde era oriundo.
A irrequietude, que se lhe lia facilmente nos olhos quando cumprimentava – num aperto de mão que pressionava vários quilos-força acima da média – transferiu-se rapidamente para a urgência de fazer acontecer.
Lá fora, os anos duros do cavaquismo na sua inicial versão de chefia de governo dava mostras de ter chegado, dez anos depois, ao limite do prazo de validade e António Guterres titubeava os primeiros passos naquilo que queria que fosse um virar de página. A João Vasconcelos pareceu-lhe a altura certa para pedir boleia à política – que, a bem ou a mal, é uma das zonas de lançamento para outras geografias onde as coisas acontecem realmente.
“Eu era militante do PS e o João pediu-me que o introduzisse no círculo; acabei por o fazer e por o apresentar ao Sérgio Sousa Pinto e ao Marques Perestrelo”, conta o amigo. Os tempos eram de guerrilha – ou talvez na faculdade os tempos fossem todos de guerrilha – e o PS estava apostado em enterrar de vez (de preferência definitivamente, o que acabaria por não conseguir) o acumulado histórico do recente ex-primeiro-ministro, desta vez apostado em dirigir os portugueses diretamente do Palácio de Belém.
Por essa altura, António Martins da Cruz – antigo assessor diplomático de Cavaco – tinha influência consolidada na faculdade e decidiu convidar Cavaco Silva a expor aos alunos as razões que o acompanhavam na sua daquela vez inglória vontade de ser Presidente da República. Outro tanto não fez Martins da Cruz com o candidato do PS, Jorge Sampaio, a quem não franqueou as portas da academia, o que João Vasconcelos terá levado a mal.
Foi assim que uma das primeiras iniciativas partidárias do futuro secretário de Estado da Indústria – que cursava gestão – foi um verdadeiro ato de guerrilha: “Colocámos estrategicamente alguns dos nossos na assistência e começámos a fazer perguntas ao Cavaco, ditadas de um lado qualquer, pelo telefone, pelo António Costa, chefe de campanha do Jorge Sampaio”, futuro primeiro-ministro – que haveria de escolher João Vasconcelos para secretário de Estado e que por essa altura era um dos meninos de oiro em ascensão meteórica no interior da máquina novamente desentorpecida do Partido Socialista. A coisa só não acabou pior, conta o amigo de João Vasconcelos, porque o resto da assistência lembrou-se de sucumbir a iniciativa aos gritos de “Cavaco, Cavaco!” – mas não a tempo de impedir que o próprio deixasse a sala com o ar carrancudo e maldisposto que haveria de ser um dos martírios de muitos portugueses uns anos mais tarde.
“Depois, os nossos caminhos acabaram por desligar-se”, o advogado deixando a política para mais tarde ou para nunca mais, na procura de uma carreira profissional que o levaria para os lados da análise financeira, João Vasconcelos atirando toda a sua imensa energia para o partido. Onde deixou marca: intenso, direto e focado – numa mistura surpreendente com a afabilidade e a simpatia que também o caraterizavam, poucos ficaram surpreendidos quando, durante os governos de José Sócrates, foi adjunto e assessor do gabinete do primeiro-ministro, com responsabilidade na área dos Assuntos Regionais e Economia, entre 2005 e 2011.
Mas as empresas eram o seu fito: já tinha sido vice-presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), de 1999 a 2005, e era aí que se sentia no seu elemento. João Vasconcelos não enjeitava visitar as empresas tradicionais – foi a muitas enquanto secretário de Estado – mas considerava que a modernidade teria mais tarde ou mais cedo de entrar fronteiras adentro, para fazer o seu papel.
Como diretor executivo da Startup Lisboa, Associação para a Inovação e Empreendedorismo de Lisboa (2011 a 2015), João Vasconcelos estava no sítio onde sempre quis estar e, nesse espaço que se tornou viral junto das startups, acabou por ser um dos mentores da vinda para Portugal do evento Web Summit – talvez a mais bem-sucedida importação dos últimos anos em Portugal, que por certo este ano lhe renderá homenagem.
Será nesse quadro, o de empedernido defensor da modernidade – que mistura negócio com sustentabilidade e com a recusa de conservadorismos e ideias feitas – que, diz quem o conhece, João_Vasconcelos será sempre recordado.
Artigo publicado na edição nº 1982 de 29 de março do Jornal Económico
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