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Jogos Olímpicos: o desporto pode unir o que a guerra dividiu

As duas Coreias participam nos Jogos Olímpicos de Inverno com uma delegação conjunta, numa altura em que a retórica nuclear continua ao rubro. Podem as Olimpíadas ajudar a sarar as feridas causadas por décadas de ódio e rivalidade?
9 Fevereiro 2018, 15h05

Mais rápido, mais alto, mais forte”: pode o lema Olímpico inspirar a reconciliação entre as Coreias? Nunca uns Jogos Olímpicos de Inverno captaram tanta atenção dos analistas internacionais e não propriamente pelos recordes que podem ser batidos na neve sul-coreana.

A participação conjunta da Coreia do Norte e da Coreia do Sul nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pyeongchang, que se iniciam sexta-feira, dia 9, está a ser vista pela comunidade internacional como a prova do papel pacificador que o desporto pode desempenhar. A união desportiva das duas Coreias é o culminar do trabalho desenvolvido pelo Ministério da Unificação sul-coreano, que desde há várias décadas tenta abrir caminho para o diálogo com Pyongyang.

Mesmo com os recentes episódios de trocas de ameaças nucleares entre Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Kim Jong-Un, chefe de Estado da Coreia do Norte, as duas Coreias vão avançar com uma equipa conjunta para participar nos jogos de inverno.

Apesar de uma longa História comum, os dois estados da península coreana estão separados desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando americanos e soviéticos libertaram o país da ocupação colonial japonesa. A divisão tornou-se permanente com a dura guerra que as duas Coreias travaram entre 1950 e 1953, com o Norte a ser apoiado pela China e pela URSS e a o Sul a receber o apoio de uma coligação internacional liderada pelos Estados Unidos. A guerra terminou num impasse e, até hoje, a Coreia do Norte e a Coreia do Sul permanecem tecnicamente em estado de guerra, pois o acordo de armistício não foi acompanhado de um tratado formal de paz. A participação conjunta nas Olimpíadas é, pois, um passo no sentido da reconciliação.

Uma missão olímpica unificada “é um sinal muito positivo, que se espera que possa ter sustentabilidade no futuro”, afirmou José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, na segunda-feira, durante a apresentação da missão portuguesa para estes jogos. Em declarações ao Jornal Económico, Constantino refere que o desporto é “também um palco de afirmação no mundo”. Esta aproximação das Coreias poderá assim ter uma mensagem clara: aproximação e diálogo.

Os atletas coreanos desfilam pela décima vez na história dos dois países sob a mesma bandeira, sendo que a abertura do evento, no Estádio Olímpico de Pyeongchang, representa a mesma designação nacional – entre 9 e 25 de fevereiro não haverá norte-coreanos ou sul-coreanos, apenas coreanos. Para trás fica a memória do boicote da Coreia do Norte à organização dos Jogos Asiáticos de 1986 e aos Jogos Olímpicos de 1988, ambos realizados em Seul, Coreia do Sul.

Portugal, o último solo pacificador
Desde os Jogos Olímpicos de Sidney, Austrália, em 2000, que as duas Coreias já entraram várias vezes em eventos desportivos sob a mesma bandeira, mas a participação conjunta só ocorreu duas vezes, há 27 anos. Uma delas em Portugal.

Em abril de 1991, as duas Coreias surpreenderam o mundo ao participarem em conjunto, com equipas femininas e masculinas, no campeonato do mundo de ténis de mesa, que se realizou em Chiba, no Japão. A equipa feminina ganhou a competição.

Menos de três meses depois – em junho – as duas Coreias mantiveram-se desportivamente unificadas e a seleção de futebol masculina participou no campeonato do mundo de sub-20, em Portugal, embora a FIFA atribua a participação apenas à Coreia do Sul. Os coreanos chegaram aos quartos-de-final, sendo eliminados pelo Brasil, por 5-1, em pleno Estádio da Luz. Antes a selecção asiática tinha defrontado Portugal, República da Irlanda e Argentina na fase de grupos.

A iniciativa da participação conjunta partiu dos comités olímpicos de ambas as Coreias, que o Comité Olímpico Internacional aceitou emitindo a “Declaração Olímpica na Península da Coreia”: 22 atletas da Coreia do Norte, nas modalidades de patinagem artística, patinagem de velocidade, esqui crosss country, esqui alpino, hóquei no gelo feminino, juntamente com 24 oficiais e 21 representantes de media, unem-se à comitiva da Coreia do Sul.

A politização dos Jogos
A Carta Olímpica proíbe o uso dos Jogos como palco para mediatizar assuntos de dimensão política, mas não foram raras as vezes em que essas diretrizes foram ultrapassadas. A forte influência política nos Jogos Olímpicos tornou-se evidente em 1920, quando Antuérpia, na Bélgica, foi escolhida como anfitriã. O evento serviu para homenagear o sofrimento do povo belga durante a Primeira Guerra Mundial e os estados sucessores dos antigos impérios alemão, austro-húngaro e otomano foram proibidos de participar. Em 1916, em Berlim, a prova Olímpica já tinha sido cancelada, em virtude do conflito. Só 20 anos mais tarde é que a capital alemã viria a receber os Jogos.

Adolf Hitler viu no evento, em 1936, um palco de afirmação do regime nazi: o ditador alemão queria evidenciar a superioridade da raça ariana, uma pretensão frustrada pela vitória do afro-americano Jesse Owens. O atleta levou para casa quatro medalhas de ouro e fez o público (e o próprio Hitler) delirar com um salto em comprimento de 8,06 metros.

Durante os Jogos na Cidade do México, em 1968, os atletas norte-americanos Tommie Smith e John Carlos subiram ao pódio para receberem, respetivamente, a medalha de ouro e bronze. Ao som de “Star Sprangled Banner”, hino dos Estados Unidos (EUA), os dois atletas ergueram o punho – cerrado – em protesto pela discriminação racial nos EUA. O gesto valeu-lhes a expulsão do evento, como mandam as regras, embora a manifestação não tenha sido ignorada.
Quatro anos depois, os Jogos Olímpicos de Munique ficaram para a história por terem tido um recorde de participações. Ficaram também conhecidos pelo atentado terrorista protagonizado por oito palestinianos contra 11 atletas israelitas. O ataque teve como objetivo a libertação de 200 prisioneiros palestinianos e culminou na morte de todos os reféns. Este foi, até hoje, o maior ataque terrorista ocorrido em eventos desportivos.

Nos Jogos de Moscovo, em 1980, o então presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter anunciava que os atletas norte-americanos não iriam participar na competição, como forma de represália pela invasão do Afeganistão pela União Soviética, na sequência da guerra entre as duas nações (1979-1989). Num contexto de Guerra Fria e de divisão do mundo entre o bloco comunista e o bloco capitalista, o boicote levou um grupo de 60 nações a seguirem o exemplo dos EUA, fazendo destes Jogos aqueles que tiveram o menor número de participantes. Quatro anos depois, a União Soviética respondia na mesma moeda em Los Angeles. Acompanhá-la-iam outros 13 países. O caso fez temer a extinção das Olimpíadas.

Mas, os Jogos também serviram para promover processos de reconciliação. Em 1964, quando Tóquio recebeu o evento e aproveitou a oportunidade para se apresentar ao mundo com uma nova imagem, menos de 20 anos depois da Segunda Guerra Mundial. Barcelona fez o mesmo em 1992 para mostrar uma Espanha coesa, depois de Franco e perante a questão basca. Nesse mesmo ano, a África do Sul regressava às competições, depois de, em 1964, ter sido banida pelo Comité Olímpico Internacional por causa do regime segregacionista do Apartheid, que desrespeitava um princípio básico olímpico: a inclusão. Muitos consideram que o boicote esteve entre as razões que ajudaram a pressionar o governo da África do Sul a considerar uma revisão da sua constituição.

 

[Artigo publicado na edição nº55 do Et Cetera, caderno de atualidade e lifestyle do Jornal Económico, a 9 de fevereiro de 2018]

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