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Jorge Coelho foi o ministro que não deixou a culpa morrer solteira

Ex-governante e empresário, vítima de ataque cardíaco aos 66 anos, teve a carreira política marcada pela tragédia de Entre-os-Rios, à qual reagiu com uma assunção da responsabilidade que ainda hoje é considerada uma raridade na política portuguesa.
7 Abril 2021, 20h01

Uma das maiores tragédias que Portugal viveu nos últimas décadas marcou a vida de Jorge Coelho, o político e gestor que morreu nesta quarta-feira, aos 66 anos, vítima de um ataque de coração. Era ministro do Equipamento Social quando a queda do tabuleiro da ponte Hintze Ribeiro, perto de Entre-os-Rios, provocou a morte de 59 pessoas que seguiam em veículos caídos ao rio Douro na noite de 4 de março de 2001, levando-o de imediato a pedir a demissão.

Assumiu a responsabilidade política pelo acidente, na medida em que cabia a serviços por si tutelados assegurar a segurança da infraestrutura centenária, explicando que não ficaria bem com a sua consciência se não se demitisse perante as consequências dessa falha. Mas antes de o fazer deu instruções para que fosse instaurado um inquérito, realçando que “a culpa não pode morrer solteira”.

A assunção da responsabilidade, unanimemente considerada rara na política portuguesa, travou a ascensão política de um dos artífices da vitória do PS em 1995, após uma década de cavaquismo, permitindo a António Guterres ser o segundo primeiro-ministro socialista após o fundador Mário Soares. A proximidade com o atual secretário-geral das Nações Unidas era tal que Coelho se tornou o seu ministro-adjunto, cargo que logo nessa legislatura teve de acumular com o de ministro da Administração Interna.

Em 1999, depois de voltar a organizar a campanha socialista, levando o seu partido a eleger então inauditos 115 deputados – precisamente metade da Assembleia da República -, assumiu as pastas do Equipamento Social e da Presidência. Acabaria substituído na segunda, tornando-se ministro de Estado e do Equipamento Social, assim se mantendo até à tragédia de Entre-os-Rios, sendo substituído pelo atual presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues. Não foi decerto por coincidência que a maioria socialista um ano após a sua saída, após as pesadas derrotas do PS nas autárquicas de 2002 e a demissão de Guterres, para evitar o pântano.

Jorge Coelho ainda se envolveu na campanha para as legislativas de 2005, que conduziram à primeira e até hoje única maioria absoluta do PS, desta vez com José Sócrates a liderar o Governo. Mas não demorou mais do que um ano a renunciar ao mandato de deputado, dedicando-se sobretudo à atividade empresarial, o que forçou a renunciar ao lugar de conselheiro de Estado em 2008, tornando-se CEO da Mota-Engil.

Ao longo desse tempo afastou-se da intervenção política, retomando-a em 2013, nomeadamente enquanto comentador televisivo. Até há pouco tempo era um dos intervenientes no programa “Circulatura do Quadrado” (antigo “Quadratura do Círculo”), tendo sido substituído pela líder do grupo parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes. Nos últimos anos dedicava-se à Queijaria Vale da Estrela, uma empresa dedicada à produção de queijos da Serra da Estrela.

Natural de Mangualde, Jorge Coelho cresceu na aldeia de Contenças, mas trocou a pequena localidade do distrito de Viseu pela Universidade de Coimbra, onde chegou a estudar Engenharia, só mais tarde concluindo a licenciatura em Gestão de Empresas, no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Ligado aos círculos da oposição ao Estado Novo na juventude, militou na extrema-esquerda antes de se filiar no PS, ao qual chegou em 1982, demorando pouco tempo a ser rotulado de “homem da máquina”.

A sua primeira experiência de poder foi em 1983, no governo do Bloco Central, enquanto chefe de gabinete do secretário de Estado dos Transportes, Francisco Murteira Nabo. Na “travessia do deserto” que os socialistas tiveram no cavaquismo esteve em Macau. Primeiro como chefe de gabinete e, a partir de 1989, enquanto secretário-adjunto da Educação e Administração Pública.

Ao longo dos últimos anos convertera-se numa das unanimidades da política portuguesa, com adversários rendidos à ponderação e bonomia do sportinguista de sempre que em 2001 cunhara a expressão “quem se mete com o PS leva”, dirigida ao então bastonário da Ordem dos Advogados, António Pires de Lima. Embora mesmo então tenha acrescentado que quem se metia com o PS levava apenas resposta.

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