Rui Rocha, o novo e promissor líder da Iniciativa Liberal (IL), afirma que que o crescimento da economia vai continuar a ser a “prioridade absoluta” da IL, anunciando medidas que considera necessárias para tirar Portugal da cauda da Europa em termos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). É positivo, mas parece-me que é preciso ir muito mais longe.
Abordo neste artigo três circunstâncias com origem na mentalidade estatista, acomodada, anti inovação, desleixada, incompetente, desorganizada, imediatista, corrompida que se instalou e agravou em Portugal nos últimos 20 anos. É preciso mudar a estrutura mental dos portugueses e a consequente maneira de fazer as coisas. E isso tem de começar pelo topo da pirâmide. Pelos possidentes, pelos políticos, pelos intelectuais.
O caso designado por altar-palco da Jornada Mundial da Juventude é paradigmático da estagnação económica e intelectual e da falta de capital social (confiança entre as pessoas) que resulta em falta de cooperação institucional. Carlos Moedas é agora o honesto e diligente bombeiro coordenador que procura remediar o resultado do desinteresse, desorganização e descoordenação que herdou do anterior presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina.
Eu não sou dos que criticam os orçamentos. Não sei. É de admitir que estejam inflacionados e que haja profiteering, uma atividade que tira vantagem desleal de uma dada situação, neste caso de alegada emergência, para obter elevado lucro pelo facto de ter sido autorizado o ajuste direto agravado pela pressa resultante do desleixo. Mas critico os dois projetos de arquitetura horríveis (não encontro adjetivo pejorativo que exprima a minha repulsa por aquelas monstruosidades). Naquele estilo, os Sumérios, os Incas, os Maias fizeram muito melhor.
A JMJ foi uma oportunidade única perdida para inovar em arquitetura pop up como foi feito com o estádio 974 no Qatar da autoria do gabinete de arquitetura Fenwick Ibarren Architects de Madrid. O estádio desmontável foi construído com 974 contentores montados numa estrutura em aço modular. Foi inspirado pelo conceito Meccano, a construção de modelos metálicos concebida em 1898 por Frank Hornby em Liverpool, e que fez as delícias de meu pai e minhas, e pelo conceito Lego, inventado pelo dinamarquês Ole Kirk Christians em 1947 e que fez minhas delícias e dos meus filhos.
Contenção de custos e sustentabilidade informaram o desenho. Reconstrução em unidades mais pequenas foi ponderada. Afinidade com o porto marítimo foi considerada, coisa que também poderia ter ocorrido à imaginação dos promotores da JMJ, mas seria pedir demais. A construção em madeira era outra hipótese, agora que se erguem edifícios de 25 andares nesse material sustentável.
Mas, não, prevaleceu a mentalidade empedernida pelo betão. Grande responsabilidade recai sobre a Igreja Católica portuguesa. Não foi Moedas que definiu a coreografia do evento nem quais e quantos atores religiosos. Os projetistas (quem foram?) parece que procuraram responder à desmedida ambição de protagonismo e fausto medieval do clero de que emergiram aqueles monstros saídos do inferno de Hieronimus Bosch.
A frugalidade do Papa Francisco, a qualidade que, eu sendo ateu mais admiro nele, foi deitada às urtigas por quem a devia respeitar e promover. Teria sido um momento para reavivar o espírito inovador, a criatividade, o bom gosto dos dois intelectuais de qualidade superior que imaginaram e fizeram da Expo 98 um enorme sucesso e motivo de orgulho. Mas Vasco Graça Moura e António Mega Ferreira já não estão connosco, e Aníbal Cavaco Silva que os indigitou não é o primeiro-ministro. Teria sido o momento para aliar arquitetura inovadora à simplicidade franciscana. Teria sido um momento sublime e dignificante, para todos, crentes e não crentes.
O mitológico desenrascanço português desta vez não vai resultar num brilharete. Vai haver altar-palcos, mas todos sabemos a que custo estético, financeiro e moral. O desenrasca é uma maneira de fazer (ou não fazer) as coisas que gera compadrio e amiguismo de que inevitavelmente brota a ineficácia, a incompetência, o enriquecimento ilícito de alguns e a pobreza de todos os outros que pagam com os seus impostos o que vai para gente com mente criminosa.
A tirada negligente do primeiro-ministro António Costa quando designou este desmando como “casos e casinhos” não ajudou. Chama-se em vernáculo corrupção e a luta contra esse ácido que corrói toda a sociedade e a democracia deve começar precisamente pelo primeiro ministro e pelos parlamentares. Portugal desceu mais um lugar, para 33º, no último relatório da Transparência Internacional. O país continua abaixo dos valores médios da União Europeia (64 pontos em cem, que é o máximo) e da Europa Ocidental e da União Europeia (66 pontos).
Outra característica portuguesa que contribui para o profiteering e para a corrupção é o chamado complicómetro. Quanto mais complexo, mais obscuro, mais lento, mais a necessitar de soluções que passaram a ser urgentes, mas estupidamente caras e quantas vezes ineficazes ou inúteis. Tudo à custa dos contribuintes, da economia nacional, do PIB, dos pobres.
Seria extraordinário se o novo aeroporto de Lisboa fosse o impulsionador de um grande momento para alterar não apenas a estrutura mental prevalecente, mas também a estrutura de mobilidade e desenvolvimento económico de todo o país, dentro e fora. É uma oportunidade para ampliar Portugal. Mas isso não se conseguirá construindo um novo aeroporto em Alverca, Montijo ou Alcochete.
De facto, não é preciso construir porque o novo aeroporto já existe e está em Beja há anos à espera de propiciar retorno. Repare-se: o aeroporto de Beja custou apenas 33 milhões de euros e é o único no país com pista capaz de receber o maior avião de passageiros do mundo, o A380. A CML vai gastar 35 milhões nas JMS, segundo assegura o presidente da câmara, fora tudo o resto.
Em vez de se construir um novo aeroporto na área metropolitana de Lisboa, construa-se um ramal do comboio de alta velocidade Lisboa-Évora-Madrid ou faça-se passar o traçado por Beja. Lisboa ficaria a apenas 40 minutos, o mesmo que o metro Piccadilly-Heathrow ou Londres-Birmingham por alta velocidade. É a solução racional e estruturante. Para além de Lisboa, o aeroporto internacional de Beja iria servir uma enorme área. O Alentejo tem uma área superior à Bélgica.
É preciso que o Governo tenha a coragem de se opor aos vários lobbies que querem construir a toda a força e opte pela solução de futuro, racional, de interesse nacional e que irá ampliar Portugal: a ferrovia de alta velocidade Lisboa-(Sines)-Évora/Beja-Madrid. Isso seria reestruturar mentalidades e a economia do país, contribuindo para mais PIB que não apenas aquele que tem origem em turistas a passear pelo Chiado (anteriores artigos sobre este assunto aqui e aqui).