A grande diferença entre as duas bestas negras do mundo ocidental, a inflação e Putin, é que pode ser que se consiga controlar a primeira.
Têm-se sucedido recentemente as medidas tomadas por bancos centrais para combater a inflação, um pouco por todo o lado, o que ilustra bem o generalizado que está o problema. Depois do Banco de Inglaterra ter iniciado as subidas das taxas de juro no ano passado, recentemente foi a vez da Reserva Federal (Fed) americana subir pela primeira vez a sua taxa de referência, em 0,25%; Powell foi mesmo mais longe, dizendo que a Fed está pronta a fazer subidas de meio ponto se tal for considerado necessário. E mais se juntam – esta semana foi o Egito a subir as taxas em um ponto percentual, a primeira subida desde 2017.
A guerra na Ucrânia tornou a vida mais difícil para toda a gente, incluindo os banqueiros centrais. Quando e quanto subir é agora o problema: subir a menos é deixar a inflação escapar, subir a mais é arriscar criar uma recessão, isto quando a incerteza sobre a situação económica aumenta.
Vivemos tempos de paradoxos, numa altura em que os americanos estão a fornecer aos ucranianos equipamentos de defesa antiaérea russos; têm a vantagem de serem bem conhecidos dos utilizadores. E os mísseis britânicos NLAW têm provado ser mais eficazes que os tecnologicamente mais sofisticados javelin americanos, porque mais eficientes com a maior proximidade ao alvo permitida pela coragem que os ucranianos têm posto na defesa da sua Pátria.
Redesenham-se as relações internacionais, com os EUA a aproximarem-se da Venezuela, depois do fiasco com os sauditas, que – ofendidos com a posição inicial de Biden sobre o movimento houthi – consideram vender petróleo em yuans, enquanto os chineses aproveitam para expandir a sua influência na Ásia. Rússia e China já não transacionam em dólares, o Irão quer embarcar no movimento e a Índia está indecisa. Mas a criação de um sistema financeiro internacional paralelo ao dólar só é viável a longo prazo, e não assentará no rublo. Putin, que Biden já chamou de criminoso de guerra, está mais isolado, mas mexe, perto de criar a sua versão do “Manifesto”: ditadores de todos os países, uni-vos.
Na Europa sucedem-se as viragens, três são já visíveis: na política energética, agora a ser redesenhada no sentido da salvaguarda do abastecimento. Na última semana, o ministro alemão da energia, Habeck, esteve no Qatar e nos Emirados, para assegurar fornecimentos; é certo que menos verdes, mas mais necessários, enquanto se espera o hidrogénio. Na política agrícola, particularmente atendendo ao vazio criado pela falta do trigo ucraniano e russo. Isto sem esquecer, claro, que a defesa passou a ser uma prioridade, quando já há quem sinta o bafo do urso no pescoço. Polacos e lituanos já devem recear que se siga o corredor de Suwalki.
O mundo vai mudar, e não vai ser ao estilo do leopardo de Lampedusa.