Foi debaixo de todos os holofotes que um juiz vestiu a sua beca de gala para deitar abaixo os esforços de vários anos de procuradores, investigadores e analistas.

Na busca dos seus minutos de fama, que se prolongaram por toda uma tarde de sexta-feira para, em cerca de 7.000 páginas, incendiar as montanhas de folhas, amachucar os documentos, ignorar os testemunhos, derrogar todas as barreiras que nesse longuíssimo período de tempo se pretendia fazer o apuramento da verdade num processo longo, denso, complexo, envolvendo perto de três dezenas de arguidos, e que, no final, os responsabilizados encham uma mão-cheia, tão cheia de nada como de coisa nenhuma, face às expectativas alimentadas publicamente.

Nada neste processo tem elevação: a origem dos factos em julgamento, a corrupção subjacente, arrogância de alguns implicados, o tempo decorrido, o resultado da fase preliminar. Já tudo foi dito sobre esta matéria, embora tal ainda vá gerar muitos soundbites nos próximos meses, e quiçá argumentos para filmes ou séries, para além das efetivas e inevitáveis tristes páginas de história.

A justiça, que ainda não foi feita mas da qual não duvido será concretizada, ficou amachucada depois deste casting para a aplicação da lei e do enquadramento dos factos. Apesar das críticas, o fundamento do processo foi alcançado, ou seja, a confirmação de que um titular de um cargo político, um ex-primeiro-ministro, foi indiciado por corrupção – seja lá qual for a qualificação do respetivo comportamento e a reação à decisão – correspondeu ao perfil conhecido de arrogância e prepotência. O típico “peito feito” do culpado.

O comportamento do juiz também não desiludiu. Desviou o foco do processo atirando sobre os magistrados envolvidos, certo que as suas decisões serão revertidas pela instância superior. Nem o tom, nem a imensidão de despronúncia se estranha, convicto de que faz parte do centro do mundo e que ficará o seu registo para o futuro.

Não há como fugir ao tema do ano: o acrobático julgamento dito instrutório, no qual a ação do Ministério Público foi chacinada pela decisão de um juiz, consegue a proeza notável de destruir a oportunidade de deixar a justiça funcionar. Por agora.

Mas importa não esquecer o sentimento de desprezo e de ofensa que muitos sentem neste momento, perante um processo que não é político nem de interesse partidário, e onde não é o tempo da política nem dos políticos que já se sentem sem tempo.

Da política, e principalmente das instituições do Estado, é o momento de agir no quadro da responsabilização e no reforço da fiscalização de comportamentos para que ninguém saia impune de atos praticados no âmbito de funções públicas que atropelem a lei. Mudando a lei para corresponder às expectativas de seriedade que todos exigem dos seus protagonistas, garantindo transparência e punição àqueles que deslustrem e desonrem o juramento sobre as funções que lhe são confiadas.