Passaram precisamente 2.494 dias desde que Julian Assange deu entrada na Embaixada do Equador em Londres, sorridente e seguro de que o mundo contra o qual lutava estava por certo prestes a desabar. Mas na quinta-feira da semana passada o mundo que afinal não desabou viu-o sair, envelhecido, barbudo e aparentemente um pouco confundido, pela mesma porta.
O primeiro dia do resto da vida de Assange foi decerto bastante mais movimentado do que aquele em que fundou a Wikileaks, em dezembro de 2006, e se deu a conhecer ao mundo enquanto editor e porta-voz. O mundo não esteve pelos ajustes: apesar de o site ter começado a debitar informação sensível, o australiano nascido em 3 de julho de 1971 permaneceu devidamente incógnito.
Por esses dias os ciberataques eram tema de filme e, quando muito, um susto a que conviria dar atenção dali a uns anos. Mas a Wikileaks encarregou-se de, em pouco tempo, alterar profunda e definitivamente a perceção de que a World Wide Web é um poderoso objeto de intrusão. Para isso, claro está, encarregou-se de desvendar alguns dos mais bem guardados segredos do mundo: os que tinham a ver com os avatares do Ministério da Defesa dos Estados Unidos.
Esses segredos estavam à distância de um clique e Assange expôs ao mundo, sempre sedento de vasculhar segredos – mesmo que só por o serem – pormenores do ataque aéreo a Bagdad (em 12 de julho de 2007), dos registos da guerra do Afeganistão e do Iraque e de outras aventuras do exército norte-americano no seu quintal, isto é, no resto do mundo.
Como seria de esperar, o governo federal dos Estados Unidos teve de reagir e, munindo-se da evidência de que os segredos de todos os Estados deixavam de poder acolitar-se nos fundos de uma gaveta sem correr o risco de ir parar aos compêndios de História Contemporânea que dentro de uns anos se hão de escrever, criou uma espécie de ‘frente anti-Assange’.
Essa frente induziu o aparecimento, mais ou menos no mesmo instante, de uma outra, a ‘frente pró-Assange’, para quem o australiano passou a ser uma espécie de ‘Deus ex machina’ que, com os pés no vértice da verdade, de toda a verdade, iria mostrar ao mundo os buracos negros de que ele também é feito.
Da batalha entre as duas frentes resultaram várias coisas. Desde logo a perseguição de que Assange passou a ser alvo – nomeadamente na Suécia, onde é, ou foi, suspeito de violação, sem se saber se a acusação é uma cortina de fumo ou uma realidade. Mas também a descoberta de algumas das zonas negras das relações entre os Estados, das relações entre pessoas que dirigem os Estados e das relações entre essas pessoas e a bandidagem de baixa extração, aquela que faz os trabalhos sujos para que a de alta extração mantenha os colarinhos e as mangas das camisas em perfeito estado de limpeza.
A invetiva de Assange contra o segredo enquanto parte integrante da governance – mesmo ou talvez principalmente nos regimes democráticos – não podia acabar bem. Como não acabou. Mesmo que esteja muito longe do fim. Segundo os analistas, o criador do Wikileaks acabará mesmo por ser extraditado para os Estados Unidos, onde o espera um duro confronto com os tribunais.
Mesmo que o atual regime norte-americano nem tenha muito de que se queixar: segundo se suspeita, a Wikileaks terá sido a responsável pelo vasculhar das caixas de correio eletrónico de Hilary Clinton, que, ascendida à condição de candidata a presidente, e viu o oponente, Donald Trump, ‘cavalgar’ com sucesso os descuidos informáticos da senhora. Único senão: Assange perdeu o concurso de Amal Alamuddin. Advogada e ativista britânico-libanesa, parecia condenada ao anonimato quando, por via do casamento com o ator George Clooney, passou em segundos para o estrelato – e foi ela quem, devido às suspeitas em torno dos mails de Hilary (que o marido apoiou), pôs fim no contrato de assistência judicial com Assange.
Artigo publicado na edição nº 1985 de 18 de abril do Jornal Económico
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