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Juros e dividendos são a receita para o défice de 0,2%

O défice mais baixo da democracia deverá ficar ainda mais baixo no próximo ano, aproximando-se do equilíbrio orçamental. As cativações mantêm-se na estratégia do último orçamento do atual Governo.
17 Outubro 2018, 09h18

As contas públicas deverão ter um saldo negativo de 385,1 milhões de euros em 2019, de acordo com a estimativa do Ministério das Finanças inscrita na proposta de Orçamento do Estado para 2019 (OE2019). O montante representa um défice de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país no próximo ano e compara com os 0,7%, ou 1,456 mil milhões de euros, de saldo negativo para este ano.

A receita do ministro Mário Centeno para aproximar as contas públicas do equilíbrio tem por base a continuição da poupança nos juros da dívida pública, bem como nas receitas com dividendos e impostos.

“É um dia histórico, em que apresentamos o quarto orçamento desta legislatura. É um orçamento que prossegue o caminho do rigor e do equilíbrio das contas públicas. Apresentamos um défice de 0,2%, que permite sustentar a descida da dívida pública, tal como tem acontecido nos últimos dois anos”, afirmou Centeno, após entregar o documento ao presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, esta segunda-feira.

O Governo antecipa que a despesa total em percentagem do PIB caia 0,4 pontos percentuais em 2019, face ao anterior, para 43,5% do PIB.

Esta diminuição está assente no pressuposto que o encargos com juros será reduzido em 0,2 pontos percentuais do PIB. O peso dos juros pagos pela dívida portuguesa previsto para 2019 é de 3,3% do PIB, após encargos estimados em 3,5% este ano.

“Apesar da redução do peso dos juros no PIB em 0,2 p.p., prevê-se que o efeito dinâmico seja inferior ao verificado no ano anterior em 0,1 p.p., devido a um menor contributo do crescimento nominal da economia para a redução do rácio da dívida (4,3 p.p.)”, alertam as Finanças, na propostas.

O Governo acrescenta que o efeito negativo dos juros tem vindo a diminuir nos últimos anos, devido à redução da taxa de juro implícita da dívida. A estimativa é que sejam necessários 6.867,2 milhões de euros para cobrir a despesa com juros no próximo ano, face aos 6.968,1 milhões de euros em 2018 (ver texto na página 6).

Para esta evolução contribuiu a política do Banco Central Europeu e o processo de consolidação orçamental, mas também a estratégia de gestão da dívida pública com reembolsos antecipados ao Fundo Monetário Internacional (FMI), prolongamento das maturidades dos títulos e manutenção de um nível de depósitos que garanta as necessidades de financiamento.

Juros podem aumentar despesa em 253 milhões

As Finanças alertam, por isso, para o risco da inversão da política monetária do BCE, com o fim do programa de compra de ativos previsto para dezembro deste ano.

“No contexto de fatores exógenos não influenciáveis pela ação do Governo, destaca-se como eventual risco o possível aumento, superior ao esperado, das taxas de juro de curto prazo, na sequência, nomeadamente, da retirada dos estímulos do BCE, traduzindo-se num risco negativo na evolução da despesa com juros da dívida pública”, friza.

Os estímulos monetários têm sido um dos grandes fatores apontados para os baixos juros das dívidas dos países da zona euro. A análise do Governo indica que um aumento de um ponto percentual ao longo de toda a curva de rendimentos deverá traduzir-se num incremento dos juros da dívida direta do Estado, em 2019, de 253 milhões de euros em contas públicas e de 401 milhões de euros em contas nacionais (cerca de 0,13% e 0,19% do PIB, respetivamente).

“Esta poupança é possível”, diz Filipe Garcia, economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros. “A maioria da dívida tem taxas fixas e mesmo em relação às que têm taxa variável, não se esperam grandes aumentos, pelo menos, no primeiro semestre do ano”. Sublinha que irá depender da estratégia de refinanciamento do Estado, já que Portugal ainda mantêm stock de dívida referente ao programa de ajustamento, que paga juros acima da média. “Se em 2019 o Governo conseguir não aumentar a dívida líquida e baixar o custo médio da dívida – o que não é difícil porque no conjunto ainda há dívida muito cara – então é possível”, diz.

Quanto ao risco associado ao fim do programa de aquisiçao de dívida do BCE e, posterior, subida dos juros de referência da zona euro,  Garcia sublinha ainda que “quando os juros caíram para níveis negativos, os custos de financiamento do país também não caíram a pique”.

Do lado das despesas, o défice as contas públicas irão ainda beneificar de uma diminuição das despesas com pessoal de 0,1 ponto percentual. Por outro lado, estima um aumento das despesas de capital de 1,8%, especialmente devido ao investimento público (+17,1% face a 2018) que compensará a descida de outras despesas de capital (-28,9%). O economista João Duque considera que a chave para o equilíbrio está exatamente neste ponto.

“A meta do défice vai ser gerida exatamente com cativações no investimento público e, nesse sentido, penso que vai ser cumprida pelo menos em contabilidade nacional. Em contabilidade pública é outra questão”, aponta Duque. No entanto critica a estratégia, dizendo que “não há prudência ou cautela nas metas”.

As Finanças irão manter as regras que se aplicaram para as cativações no ano passado, ou seja, os momentes iniciais resultantes da proposta de lei de execução orçamental para 2019 são inferiores, no seu conjunto, a 90% do valor global dos correspondentes cativos iniciais aprovados em 2017, ano em que as cativações atingiram máximos de sempre.

Feitas as contas, o défice na ótica da contabilidade pública deverá ser superior ao défice na ótica da contabilidade nacional em 1.218 milhões de euros (0,6% do PIB), de acordo com a projeção. “Este diferencial é explicado, em grande medida, por: ajustamento das Entidades Públicas Reclassificadas à ótica do compromisso; pelo ajustamento entre juros pagos (contabilidade pública) e devidos (contabilidade nacional) e pelo facto do pagamento de pensões subjacente às transferências de fundos de pensões recebidas em anos anteriores não ser considerado despesa em contas nacionais”, explica o Executivo.

Acrescentam que estes efeitos positivos no saldo em contabilidade nacional são em parte compensados pelos impactos negativos associados à aplicação do princípio da neutralidade dos fundos europeus, bem como pelo ajustamento do Sistema Nacional de Saúde e da Caixa Geral de Aposentações à ótica do compromisso, evidenciando o agravamento decorrente da especialização do exercício.

Dividendos dão, Fundo de Resolução tira

Já do lado da receita, o Governo irá contar com contributos de dividendos tanto do banco público como do supervisor da banca.

Desde 2010 que a Caixa Geral de Depósitos não distribui dividendos, mas as Finanças prevêem receber 628 milhões de euros vindos de dividendos do banco em 2019. Este encaixe, juntamente com um aumento dos dividendos do Banco de Portugal, permitirá aumentar a rúbrica de Outras Receitas Correntes em mais de mil milhões de euros.

“A perspetiva de dividendos por parte da Caixa Geral de Depósitos, e de um aumento dos dividendos pagos pelo Banco de Portugal, contribui para um crescimento de 9,5% da outra receita corrente [para 12,173 mil milhões de euros]”, refere o relatório da proposta de lei do OE2019.

O Governo fala ainda, no relatório que acompanha a proposta do Orçamento do Estado, de um acréscimo de dividendos de 326 milhões de euros em 2019, mas neste caso sem especificar se se tratam apenas de entregas de lucros de sociedades financeiras ou se inclui outras entidades.

A receita com impostos irá aumentar 2,9% para 52.552 milhões de euros em 2019. “Relativamente à receita, encontra-se previsto um aumento de 4,1% das contribuições sociais efetivas (+0,1 p.p.) e de 4,3% dos impostos sobre a produção e importação (+0,1 p.p.), impulsionados pelo aumento da massa salarial e pela manutenção da tendência de recuperação do mercado de trabalho e do consumo privado”, refere o Governo “A contrapor, o peso dos impostos sobre o rendimento e património deverá diminuir (-0,3 p.p.), espelhando o impacto no IRS, por via dos reembolsos, das alterações dos escalões de IRS efetuadas em 2018, da eliminação da sobretaxa e da eliminação do Pagamento Especial por Conta. Desta forma, prevê-se que o total da receita atinja 43,3% do PIB”.

A proposta de OE2019 prevê ainda financiamento de 1,6 mil milhões para os fundos de resolução nacional e europeu, em linha com os valores registados em 2018. O campo das despesas excecionais salvaguarda o procedimento europeu para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução (MUR) e de um Fundo Único de Resolução (FUR).

Para o Fundo de Resolução Europeu estão previstos 852,5 milhões de euros e para o Fundo de Resolução outros 850 milhões de euros. Estes montantes são aplicados apenas em caso de necessidade, mas em 2017 o último foi chamado a intervir no Novo Banco, o que deverá acontecer também este ano.

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