Christine Widener, CEO da TAP, foi destituída com justa causa numa conferência de imprensa dada por dois ministros. Este epílogo, pouco ortodoxo em termos legais, é o traço dominante em todo este processo da TAP. Ora, lendo o parecer da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), dele resulta que a destituição de administradores só pode ser deliberada em Assembleia Geral. Ora, o Governo, fundando-se neste parecer, comete uma segunda ilegalidade, destituindo administradores numa conferência de imprensa.
O que o Governo deveria ter feito era convocar uma Assembleia Geral, que até poderia ser dispensada, dado que o Estado tem 100% do capital social, e nessa sede deliberar a destituição com justa causa, imputando factos concretos aos administradores em causa, coisa que não fez em sede de conferência de imprensa.
Vejamos os factos, dados como assentes no mencionado parecer e que supostamente consubstanciaram a justa causa de destituição da CEO da TAP e outros factos que são do conhecimento público.
Aparentemente, a CEO incompatibilizou-se com a administradora Alexandra Reis e pediu autorização ao accionista para a afastar. Por WhatsApp, recebeu essa autorização pelo Secretário de Estado das Infraestruturas. Tanto quanto hoje se tem conhecimento, a CEO pediu autorização para um acordo concreto com a dita administradora, os tais quinhentos mil euros, e recebeu, via WhatsApp, autorização por parte do referido Secretário de Estado, o qual, por seu turno, recebeu autorização, pela mesma via, WhatsApp, do ministro Pedro Nuno Santos.
Quanto à nulidade do acordo, relativa apenas à revogação do vínculo de administradora, a IGF, porventura com base numa interpretação do estatuto de gestor público à luz do direito público, recomenda uma tomada de posição quanto aos administradores que praticaram tal nulidade. Ao contrário do direito privado, onde as pessoas podem praticar todos os atos, salvo os proibidos por lei (autonomia da vontade ou princípio da liberdade), no direito público opera o princípio da competência (as entidades apenas podem praticar o que lhes é permitido por lei).
A IGF parece partir deste princípio, duvidoso quando se trata de sociedades comerciais, quando refere que as causas de cessação do vínculo de administradores são apenas a renúncia ou a destituição (não fala da caducidade). E diz, bem, que a destituição é da competência da Assembleia Geral. Conclui, portanto, que o negócio misto, concebido e assessorado por duas sociedades de advogados, de acordo para revogação dos vínculos de administradora e trabalhadora subordinada era nulo, porque se se tratasse de renúncia não haveria lugar a indemnização, e se se tratasse de destituição, teria de ser deliberada pela assembleia geral. E aqui terá alguma razão, salvo que a culpa de não ter havido assembleia geral é do accionista Estado e não da CEO da TAP.
Ora, não é despicienda a intervenção de advogados na conceção e elaboração do referido acordo para os efeitos da justa causa de destituição da CEO. Sabemos que a ignorância de lei não justifica a falta do seu cumprimento, mas mitiga em muito a culpa de quem a não cumpre. Note-se que a CEO é estrangeira, foi contratada recentemente para trabalhar numa ordem jurídica que legitimamente ignora e que, prudente e diligentemente, contratou advogados para a assessorar legalmente. Confiou nessa assessoria e assinou de boa-fé esse acordo, legitimada pelo accionista.
Em síntese, agiu de modo prudente, diligente e com autorização da tutela. A mesma tutela que a destitui, sem assembleia geral, por actos que apenas podem ser a ela imputáveis e com culpa grave!
É certo que aqueles que agiram com culpa já foram “destituídos”, mas o Estado responde pelos actos dos seus comissários, independentemente de quem são em cada momento. Donde se conclui que não há razão para a justa causa da destituição, que se tratou de uma destituição sem justa causa e que haverá lugar à indemnização nos termos do estatuto de gestor público, o qual, como direito injuntivo, deverá prevalecer sobre os termos do contrato que terá celebrado com Pedro Nuno Santos, exceptuando precisamente as condições de remuneração.
Questão diversa é se o Estado também não deverá ser responsabilizado pela quebra desse contrato, pois o estatuto do gestor público apenas é aplicável em sede da TAP, mas não nas relações privadas do Estado.
Desconheço o referido contrato e qual a lei aplicável ao mesmo. Mas o que eu sei é que na assembleia geral da TAP não foi aprovado o referido contrato, nem as referidas condições de remuneração e bónus (aliás exceptuadas do referido estatuto de gestor público). Há, portanto, responsabilidade contratual do Estado por manifesto incumprimento das suas obrigações. Não há justa causa, mas haverá seguramente uma causa justa, a propor pela CEO da TAP!
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.