O apelo da esquerda portuguesa ao Supremo Tribunal de Justiça brasileiro para que decrete a libertação de Lula da Silva é um insulto aos portugueses por vários motivos, e nenhum tem a ver com a culpa ou inocência de Lula da Silva.

Em primeiro lugar, o desrespeito pela Justiça. Há dois meses, o Bloco de Esquerda indignava-se com o facto do processo do Vice-Presidente Manuel Vicente ter sido devolvido a Angola para que o responsável ali prestasse contas à Justiça, e criticava veementemente o que considerou serem “expressões de felicidade do Governo e do Presidente da República”.

Quem ouvisse Catarina Martins, pensaria – legitimamente – que o poder político não tem de se regozijar com este tipo de decisões porque pertencem à esfera judicial. Errado. Porque, afinal, o que aborreceu o Bloco não foi uma pseudo ingerência da política portuguesa na Justiça, mas sim o facto de estarmos a falar de Angola e da sugestão de um vergar de Portugal a questões económicas.

Se fosse uma questão de independência da Justiça, não estaríamos a ver o Bloco, juntamente com os outros partidos de esquerda, a querer interferir despudoradamente na Justiça brasileira quando se dirige ao Supremo Tribunal Federal do Brasil, dizendo que a Lei não foi aplicada e que a prisão de Lula da Silva é política. A querer fazer política com a Justiça dos outros. De Estados que, até ver, vivem em democracia e num Estado de Direito.

Mas a falta de coerência que já é habitual no Bloco de Esquerda – ainda que nunca deixe de irritar – estende-se também ao PS. O PS que, no caso de Manuel Vicente, dizia à Justiça o que é da Justiça, agora também assina a mesma carta onde se pede ação ao Supremo Tribunal Federal.

Afinal o que separa ambos, Manuel Vicente e Lula da Silva? O que faz do primeiro persona non grata da esquerda e o segundo um mártir, preso político? Não será com certeza o facto de um ser corrupto e o outro não, uma vez que a acusação que impende sobre os dois tem justamente a ver com comportamentos ilícitos semelhantes e relacionados com corrupção.

Quando falamos de Lula, a sua prisão é uma perseguição ao Partido Trabalhista. Uma assunção pública do total descrédito dos partidos portugueses de esquerda pelo funcionamento da Justiça brasileira.

Em segundo lugar, a política baixa. Na carta enviada ao Supremo Tribunal Federal do Brasil, os deputados do PS, BE, PC e Verdes situam a questão no facto de Lula estar preso para não se poder recandidatar nas próximas eleições presidenciais. Portanto, para estes quatro partidos, uma vez que não está provada (do seu ponto de vista) a culpa de Lula e por não terem sido respeitadas as regras processuais, então Lula estaria em perfeitas condições de se candidatar a Presidente do Brasil e contaria com o seu apoio.

Assim, e a bem da coerência, será de esperar um apoio destes quatro partidos a José Sócrates caso este regressasse à política…? Porque também ele diz que a sua prisão era política, também no processo dele foram desrespeitados todos e quaisquer prazos de investigação. Certamente que não. Trata-se da política a querer fazer política com a Justiça. E isso é muito perigoso.

São casos como o de Lula da Silva que nos mostram como a separação absoluta entre política e justiça é a condição do funcionamento do Estado de Direito. O reverso da medalha, se cavalgarmos nesta selvajaria ideológica que carateriza a geringonça, é este: uma justiça que ora é de direita ou de esquerda, permeável a recados e indicações dos governantes. E nenhum país sobrevive a uma Justiça política da mesma maneira que não sobrevive a uma Justiça musculada. É no fino equilíbrio destes dois pilares, que crescem paralelos e vigilantes mas sem se tocarem, que reside o Estado de Direito.