Perguntando ao Chat GPT ou ao Gemini, a resposta à questão colocada em título é óbvia – a IA papagueia, qual Zandinga, o que encontra em fontes abertas, discursos políticos e entrevistas e opiniões publicadas de magistrados, polícias, comentadores e jornalistas… o que não é necessariamente correcto e tende a ser reducionista.
Com efeito, ex chatedra a Inteligência Artificial (IA) proclama que enfrentaremos atraso na resolução de processos, falta de recursos, greves e conflitos laborais, a implementação de novas tecnologias e desgaste profissional e burnout de profissionais do sector.
E, assim, com o parágrafo anterior estaria este artigo acabado.
As questões, todavia, não são tão simples: os problemas da Justiça portuguesa, aqueles que nos esperam em 2025, não só não são, apenas, os que a IA generalizadamente enuncia, como alguns deles nem sequer são verdadeiramente um problema “da Justiça portuguesa”.
Quanto aos atrasos na resolução de processos, é óbvio que conseguir resolver pleitos em três meses a um ano seria ideal. Porém, não só nem todos os processos são susceptíveis de tal velocidade de resolução – sob pena de deixar de se fazer Justiça, para responder a estatísticas –, como há muitíssimos processos a ser resolvidos com bastante brevidade – pelo menos em comparação com o que nos últimos 50 anos foi o cenário português.
Vejamos: nas causas cíveis, pequenas ou grandes, a média do tempo de resolução dos casos está perfeitamente alinhada com o que ocorre nos 47 Estados que integram o Conselho da Europa; o mesmo para os processos-criminais ditos “comuns” (daqui isolamos os megaprocessos e alguns processos mediáticos de grande dimensão, ainda que não elefantinos). Onde se verificam atrasos absolutamente incompreensíveis, é na jurisdição administrativa e tributária, bem como nos processos falimentares, em que há demasiados processos pendentes por dez ou quinze anos.
O que esperar, então, para 2025, quanto ao funcionamento destas jurisdições atrasadas? Não havendo uma intervenção urgente, definitiva e “arrasadora” nestas jurisdições, o que temos a esperar é o mesmo que temos tido: não há resultado diverso partindo da mesma inacção ou das mesmas receitas cujo insucesso está provado.
Se acreditamos que o problema das jurisdições com excesso de pendência vai ser resolvido em 2025, temos de ser francos: não acreditamos!
Quanto à implementação de novas tecnologias como sendo algo a esperar no novo ano, também se nos afigura ser um vaticínio de café: quais poderiam ser as novas tecnologias a introduzir no âmbito da tramitação de processos judiciais? Desenvolver aplicações de IA que pudessem acelerar a marcha dos processos? Concretamente como? Substituindo os juízes humanos?
Neste domínio, mais do que esperar uma cura miraculosa para as maleitas de que padece a Justiça portuguesa pela mão das novas tecnologias, seria de usar as tecnologias já existentes, algumas, aliás, mais do domínio do “manufaturado” do que do automatizado, para voltar a “meter a justiça” processual nos eixos.
Atente-se que apesar de tanta voz a pronunciar-se quanto aos atrasos na Justiça e à falta de meios, técnicos, pecuniários ou humanos, nunca ninguém aceitou a sugestão que por várias vezes apresentámos (em congressos, seminários, debates de especialidade, mas também em meios de comunicação social) de ser tornado público, em portal específico de internet, o fluxo da marcha dos processos de cada Tribunal, em cada juízo dentro de cada Tribunal. O mesmo se aplicando aos processos tramitados pelo Ministério Público (MP).
Isto porque o tal atraso (que, como escrevi, não é generalizado a todas as jurisdições, nem nos coloca fora da mediana dos países do Conselho da Europa na maioria das jurisdições) pode dever-se a imensos factores, que só podem ser conhecidos (para posterior resolução) se se souber onde, quando e porquê é que no mesmo Tribunal, um Juízo tem os processos em dia, e outros mostram produtividades muito abaixo daquela que seria exigível. E só depois de determinada a causa real do atraso e as respectivas circunstâncias, é que se poderá partir para a escolha e implementação dos mecanismos e soluções concretas que possam resolver o problema.
Costuma dizer-se que Portugal é bom a diagnosticar, mas que falha nas soluções. Este é um bom exemplo disso mesmo.
Será que podemos esperar para 2025 que as medidas básicas para, de facto, tornar conhecidos publicamente os reais atrasos da Justiça, as reais faltas de meios, vão ser implementadas? Com franqueza respondemos: também não!
O conhecimento dos fluxos de trabalho de cada Tribunal, de cada Juiz, de cada Departamento do MP, de cada Procurador ou equipa de Procuradores, de cada secretaria judicial ou do MP, permitiria avaliar da produtividade respectiva, o que manifestamente iria contra os interesses corporativos ou sindicais de cada uma das referidas classes de profissionais – embora individualmente, aos competentes e dedicados, fosse útil, até para atribuição de prémios e promoções.
Será que podemos esperar para 2025 uma justiça disciplinar para os profissionais da Justiça que seja efectiva, pronta e exemplar? Novamente com franqueza: claro que não! Mais uma vez, rigor nas avaliações e exemplaridade nas punições do ilícito poderão interessar ao País, não ao “sistema” instalado.
Quanto ao desgaste profissional e até burnout dos profissionais da área, limito-me a formular uma questão, que o leitor responderá: qual é a classe profissional que, no Mundo contemporâneo, em espaço urbano, vê ser respeitado o devido equilíbrio entre a vida pessoal e a carreira profissional?
Uma nota final, esta sim que não é previsão mas afirmação: o Governo vai novamente alterar o regime de confisco de bens, continuando a aproximação do nosso direito penal do século XXI ao que vigorou na idade média.
Em jeito de conclusão, face do cenário descrito, lançamos um repto ao Governo: em vez de procurar legitimar inaceitáveis mecanismos fiscais a quem nada tem que ver com actos criminosos de terceiros, tenha coragem de implementar sistemas eficazes de detecção e controlo dos fluxos de trabalho por parte dos diversos agentes da justiça e de fluxos de actividade processual nas várias jurisdições. Sem esse meio de diagnóstico básico, toda e qualquer intervenção relativa a atrasos na Justiça, à falta de meios humanos, técnicos ou pecuniários, relativa a burnout, estará votada ao insucesso.
Se isso não for feito, 2025 será igual a 2024.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.