Há duas semanas ficámos a saber muito do que foi dito nos interrogatórios que têm sido conduzidos pelo procurador Rosário Teixeira no âmbito da Operação Marquês. Interrogatórios que são filmados e gravados para termos uma Justiça de primeiro mundo, mais transparente, que garante que não há excessos dos investigadores, que assegura que os direitos dos arguidos não são comprometidos e que deixa claro que ninguém poderá dar ‘o dito por não dito’. Evita-se assim assentar declarações em resumos ou transcrições que, obviamente, não reproduzem o tom das perguntas, ignoram contextos e estados de espírito, fundamentais para um melhor julgamento. Certamente que o legislador não decidiu passar a gravá-los para fazer capas de jornais.

Quem é responsável pela fuga de informação? Há jornalistas que passaram a ser partes nos processos-crime, porque se entendeu haver situações excecionais em que pessoas alheias ao processo se podem constituir como assistentes. Seguramente que não se pensou (mas dever-se-ia ter pensado) que essa possibilidade se abria aos jornalistas para facilitar a manchete semanal, numa permanente violação do Segredo de Justiça e dos direitos dos arguidos, perturbando o exercício de uma Justiça serena e objetiva. Quem é responsabilizado por, deliberadamente e sem consequências, violar o Segredo de Justiça e o Direito à Privacidade dos arguidos? Ninguém.

Esqueçamos por um momento que se trata de José Sócrates, político que motiva os maiores ódios e paixões no país e sobre o qual cada um de nós já terá feito o seu julgamento. Esqueçamos o sentimento revanchista que se apodera do povo quando se trata de cortar a cabeça às elites. Quem é que está a fazer o escrutínio da Justiça desde que começaram os mega processos? Os jornais violam, sem pudor nem medo, algo a que arguidos, magistrados e advogados estão obrigados. Perante este mega leak da Justiça não se ouve uma palavra dos órgãos competentes que, a julgar pelo teor do que se conhece, não serão isentos de responsabilidade. Se assim é, então o caminho só pode ser um: acabar com o Segredo de Justiça. Se o Sistema de Justiça é incapaz de fazer garantir o cumprimento da Lei, se nem sequer sanciona quando esta é violada, então sejamos pragmáticos.

No fim dos mega processos, ficará por avaliar a qualidade da Justiça e de quem tem a responsabilidade de por ela zelar. Dirão que existe um Conselho Superior da Magistratura. Mas, uma vez mais, sejamos pragmáticos: quando foi a última vez que a corporação não funcionou?

Os políticos têm uma palavra a dizer sobre isso, mas tudo o que ouvimos é silêncio. Não há um partido que ouse questionar o estado da Justiça portuguesa. Não o fazem por medo de serem percecionados como estando a interferir de forma abusiva. É pena. Porque é dessa coragem que precisamos. Também a Justiça deve ser julgada.