A matéria das custas processuais, também aplicável ao contencioso pré-contratual, é, por um lado, regida por normas desfasadas da realidade e, por outro, de natureza ambígua e de difícil compreensão, o que leva, não raras vezes, à sua má aplicação pelos profissionais do foro.
Sabendo de antemão que os contratos que as Entidades Adjudicantes pretendem celebrar atingem valores acima do milhão, quanto poderá ter que pagar, a título de custas, o particular e concorrente que pretenda reagir judicialmente contra qualquer ilegalidade ocorrida no seio desse procedimento?
Não fosse aquela natureza e a resposta seria simples: a exígua quantia de duas Unidades de Conta (2UC), não havendo lugar, no contencioso pré-contratual, ao pagamento do remanescente da taxa de justiça.
A regra é a de que todos os processos judiciais, lato sensu, estão sujeitos a custas, nos termos fixados no Regulamento das Custas Processuais (“RCP”).
Sobre as regras gerais relativas à taxa de justiça, rege o artigo 6.º que a taxa de justiça é fixada em função do valor e da complexidade da causa, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A e nos recursos a tabela i-B.
Nas causas de valor superior a 275.000,00 euros, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento (n.º 7, do artigo 6.º).
É precisamente aqui que nos situamos: no contencioso pré-contratual haverá lugar ao pagamento da taxa de justiça remanescente? Os tribunais administrativos têm entendido em sentido afirmativo, mas a nosso ver não deviam.
Principiamos dando nota de que a taxa de justiça se fixa nos termos da tabela i na falta de disposição especial. Sobre regras especiais determina o artigo 7.º que a taxa de justiça da ação e dos recursos também se aplica de acordo com a tabela i, salvo os casos expressamente referidos na tabela ii, aos quais se aplicam as taxas previstas nessa tabela ii.
Significa isto que estando os processos de contencioso pré-contratual expressamente previstos na tabela ii do Regulamento é essa a tabela que lhes é aplicável. E nessa tabela ii o legislador ordinário previu que para os processos de contencioso pré-contratual a taxa de justiça a liquidar é de 2UC (e note-se que o fez tanto no que respeita à taxa normal como à agravada).
Parece simples, mas não tem tido aplicação clara. A verdade é que se tem assistido à aplicação da tabela i-B aos recursos das decisões proferidas no âmbito de matérias da tabela ii, onde se inclui o contencioso pré-contratual. A diferença da aplicação entre uma e outra é colossal. Está em causa haver ou não lugar ao pagamento da taxa de justiça remanescente, nas ações cujo valor exceda 275.000,00€.
Questiona-se se os normativos 6.º e 7.º, n.ºs 2, do RCP se aplicam ou não aos recursos das decisões proferidas nas espécies processuais previstas na tabela ii.
Os referidos normativos só fazem sentido se se referirem aos recursos de decisões a que seja aplicável a taxa de justiça da tabela i-A.
Se assim não for, o que se verifica, na prática, é que a taxa de justiça do recurso transcende em muitos milhares de euros a da causa – o que vai, evidentemente, contra a filosofia do sistema de custas, cuja taxa de justiça nos recursos corresponde a metade da taxa de justiça paga em primeira instância.
Com efeito, ainda que se admita poder ser necessário recorrer ao critério do n.º 3 do artigo 10.º do Código Civil, a taxa de justiça devida nos recursos das decisões proferidas no contencioso pré-contratual deveria corresponder às unidades de conta da tabela ii e não às da tabela i-B.
Por conseguinte, o espírito do sistema de custas exige que estes casos sejam, pois, reconsiderados: no contencioso pré-contratual, em primeira instância e em sede de recurso, não deveria haver lugar ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, previsto na tabela i, anexa ao RCP.
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