Há não muitos anos, o líder de um grande grupo internacional definiu nestes termos o papel da função compliance. Fê-lo com visível orgulho no vanguardismo do mandamento que exarava e perante responsáveis de compliance de setores regulados originados dos cinco continentes. Se na altura o soundbyte fez sentido para muitos e constituiu mantra para outros tantos, hoje esta visão envergonharia – por miopia estratégica – quem quer que a proferisse.

A supervisão era então ainda muito assente em regras, requisitos legais e regulamentares, que se diziam enformados por princípios. Tal como nos manuais de negociação, esta abordagem cedeu, todavia, lugar a uma visão não apenas orientada por mas centrada nos princípios. As normas e usos profissionais e deontológicos, as regras de conduta e de relacionamento com clientes, as orientações dos órgãos sociais e as recomendações de organizações internacionais relevantes passaram a ser incluídas no acervo de obrigações das instituições e, por inerência, da respetiva gestão. É esse – declaradamente – o novo perímetro regulatório e de cumprimento que se sucede às últimas crises internacionais e, em particular, ao colapso de várias das instituições materialmente relevantes em cada um dos mercados.

Por outro lado, as orientações de organizações internacionais como a EBA, a ESMA ou a EIOPA, para referirmos unicamente as principais componentes do setor financeiro, são hoje diretamente aplicáveis às instituições financeiras, seja por se encontrarem diretamente refletidas nos normativos existentes, seja por servirem de critério interpretativo para os mesmos, seja porque os reguladores se cingem – frequentemente – a para os mesmos remeter. Endossam, no fundo, a abordagem de cumprimento ou justificação de incumprimento (frequentemente referida pela expressão comply or explain) que sobre si impende para as instituições que supervisionam.

Finalmente, contrariamente ao que frequentemente constitui a perceção menos informada, a responsabilização individual é hoje uma realidade.

Por um lado, o escrutínio exercido no âmbito dos processos de apreciação da adequação e idoneidade de titulares de órgãos de administração ou fiscalização de entidades reguladas tem aumentado consideravelmente, tal como a comunicação entre reguladores (nacionais e setoriais). De um processo mais ou menos mecânico, ao pedido inicial (e detalhado) de informação pessoal, patrimonial e institucional sucedem-se agora um conjunto alargado de pedidos de esclarecimento e, sobretudo, um juízo quanto à compreensão da natureza e ambiente regulatório da atividade, quanto à complementaridade das competências e quanto aos mecanismos de prevenção de conflito de interesses. Sobretudo, a avaliação de cada um destes fatores encontra-se agora alicerçada em orientações (e, em certos casos, processos de decisão) supranacionais, mais sindicáveis e – tanto quanto possível – padronizados.

Acresce que a institucionalização do conceito de direção de topo veio acompanhada, porventura ainda sem a devida interiorização pelos próprios, de um incremento da sua responsabilização perante a supervisão e, no limite, perante os stakeholders. Essa responsabilização decorre não apenas da suscetibilidade de aplicação de sanções mas, sobretudo, também do impacto que tais sanções podem ter na apreciação da respetiva idoneidade profissional.

Para uns e outros, o cumprimento passa a ser mais do que a suscetibilidade de aplicação de sanções à instituição ou ao próprio: condiciona o desenvolvimento da atividade profissional (ou, no limite, impede a sua continuidade).

Por outro lado, com particular relevo este ano – em que confluem várias alterações regulatórias e legislativas de elevado impacto no setor financeiro – a capacidade para gerir (por antecipação) a mudança assume especial criticidade. Afinal de contas, não só a tendência (anglo-saxónica) para reger a medida da pena em função do resultado da empresa se tem acentuado, como o próprio consumo de capital pode resultar severamente impactado por uma gestão inadequada da mudança de enquadramento regulatório. Sobretudo, porquanto a capacidade de intervir de forma consequente no mercado pressupõe clareza estratégica.

A gestão a mudança é, ela própria, um fator competitivo.

Anos mais tarde, perante sensivelmente o mesmo público alvo, o mesmo executivo formulava outro tipo de apelos: integridade, compromisso e promoção de uma cultura de cumprimento, visão de médio e longo prazo na gestão e projetos regulatórios. Os factos (e as crises) tinham-se encarregado de provar que a visão inicial era simplista.