As estatísticas divulgadas pelo próprio Tribunal Constitucional e uma consulta mais ou menos exaustiva às respetivas decisões confirmam a dificuldade em ver admitidos recursos de fiscalização concreta para o guardião jurisdicional da Constituição.

Em regra, para que um recurso possa ser admitido no Tribunal Constitucional:

  • a questão da conformidade constitucional tem de ter sido suscitada perante o Tribunal recorrido antes mesmo de a violação à Constituição ocorrer, i.e., o particular tem de antecipar que sobre as normas por si invocadas para fazer valer um direito poderá vir a recair um juízo contrário à Lei Fundamental;
  • a questão tem de respeitar a uma norma ou interpretação normativa que foi efetivamente aplicada, constituindo ratio decidendi da decisão jurisdicional proferida – se os Tribunais ordinários omitirem pronúncia sobre a questão de constitucionalidade, o particular não tem qualquer oportunidade de chegar ao Tribunal Constitucional;
  • a decisão já não pode ser suscetível de recurso ordinário; e
  • a questão a apreciar tem de ser útil para a decisão da causa.

A acrescer, o particular tem de formular, perante o caso concreto, uma norma que tenha uma dimensão normativa aceitável para o Tribunal Constitucional como sendo abstrata e genérica, o que, a ver pelo número de decisões sumárias emitidas pelo referido Tribunal, não é tarefa fácil.

Embora já tenhamos entrado no Tribunal Constitucional umas duas ou três vezes, já passámos pelos mais diversos tipos de situações de inadmissibilidade de recursos para esse Tribunal. Mesmo pedidos com formulações plenamente aceites em momento anterior pelo Tribunal Constitucional, foram rejeitadas.

De todos os argumentos para a não admissão deste tipo de recursos, talvez o mais frustrante seja aquele que resulta – com respaldo legal… – da circunstância de os Tribunais ordinários não se pronunciarem sobre a inconstitucionalidade suscitada ao longo do processo.

Num caso paradigmático, um arguido objeto de escrutínio em 3 instâncias diferentes pelos mesmos factos, que não vai a julgamento no processo crime, é absolvido num processo de contraordenação de uma determinada autoridade e, no final, é condenado noutro processo contraordenacional de outra autoridade. É evidente que a Constituição protege o cidadão destas situações, consagrando, no artigo 29.º n.º 5, o princípio ne bis in idem (ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática da mesma infração).

Apesar de diversas vezes suscitada a violação da Constituição, os Tribunais das várias instâncias não decidem a matéria ou decidem-na de forma a não ser possível afirmar que aplicaram a norma em causa nos termos formulados pelo arguido. E assim, à terceira, este cidadão é condenado depois de ter sido absolvido duas vezes.

Ficou um princípio constitucional à solta, desprotegido pelo sistema de fiscalização concreta vigente em Portugal.

Temos consciência dos debates infrutíferos que têm sido tidos sobre a alteração da Constituição da República no sentido de consagrar um recurso de amparo semelhante ao existente noutras jurisdições, em que o cidadão pode invocar a violação de direitos fundamentais no seu caso, sem necessidade de formular normas com potencial suficiente de abstração para que o seu recurso seja admitido.

Não deixamos, no entanto, de apelar a que a porta não se feche à reabertura de novas discussões sobre o tema e, quem sabe, que fique mais próxima a possibilidade de o cidadão pedir a proteção direta dos seus direitos, liberdades e garantias ao Tribunal Constitucional.