Praticamente desconhecido até há uns meses atrás, Bruno Lage viu o seu nome atingir o estrelato ao conduzir o Benfica ao 37.º título nacional de futebol, menos de cinco meses após ter substituído Rui Vitória no comando dos encarnados.
Tendo tomado conta de uma equipa moralmente fragilizada, a sete pontos de distância do seu principal rival, o Futebol Clube do Porto, Lage conseguiu um registo impressionante de 18 vitórias e um empate, com 72 golos marcados e 16 sofridos, apresentando um futebol bonito e catapultando para a ribalta um punhado de jovens que, até há bem pouco, jogavam na equipa B dos encarnados.
Capaz de unir em seu torno um grupo de jogadores que andavam perdidos, de lhes transmitir a velha mística, de congregar novos e velhos em torno da célebre reconquista, de dar a mão a alguns proscritos, de fazer regressar aos estádios uma mole humana que apoiou incessantemente a sua equipa, Lage foi sobretudo importante pela sua maneira de ser e de estar, pelos valores que soube transmitir, pela mensagem que disseminou sempre que esteve à frente das câmaras.
Tivesse ganho ou perdido, o mais importante foi que retirou pressão aos seus jogadores, que lhes disse para, embora com determinação, se divertirem e fazerem aquilo de que mais gostavam, não acicatou os ânimos, não entrou em conflitos com os adversários, que respeitou e soube fazer-se respeitar.
Em muito pouco tempo, soube ganhar e ser elegante na vitória, afirmando que há coisas bem mais importantes na vida para além do futebol e disse esperar que a reconquista significasse a reconquista do bom futebol e das boas maneiras, havendo que dar mérito aos adversários e que defender princípios e valores.
Num momento em que o futebol é uma das maiores indústrias do mundo, em que as televisões pagam muitos milhões pelas transmissões televisivas, em que jogadores que há pouco atingiram a maioridade são transacionados por mais de uma centena de milhões de euros, é importante que haja alguém que coloque o futebol na sua real dimensão, que valorize os adversários, que não invetive os treinadores e jogadores dos outros clubes, que relativize a importância do desporto face a outros aspetos mais importantes da vida humana.
O futebol alimenta paixões e arrasta multidões, mas tem que se colocar este fenómeno no seu devido lugar. O que se passou este fim de semana no estádio do Vitória de Setúbal constitui um excelente exemplo. A homenagem que congregou público, jogadores do clube da casa e dos visitantes em torno do capitão do Vitória, Nuno Pinto, regressado aos relvados, por escassos cinco minutos, num momento em que combate, com aparente sucesso, um cancro, foi bem demonstrativa de que, por mais importância que se lhe dê, o fenómeno desportivo tem que ser colocado na sua real perspetiva, não fazendo do ódio e da rivalidade as suas bandeiras.
Mais do que o treinador que levou o Benfica à reconquista do campeonato nacional, Lage deve ficar na história do desporto nacional pelo seu discurso, pela forma como lidera, pelo exemplo que demonstra, pela amizade que parece nutrir pelos homens que comanda.
Como em qualquer outro desporto, os treinadores passam de bestas a bestiais e de bestiais a bestas num brevíssimo espaço de tempo. Lage terá, certamente, que conviver com a derrota, como conviveu com a vitória, e momentos haverá em que aqueles que o aplaudiram o apuparão e aqueles que agora o querem para sempre lhe mostrarão a porta da saída.
Fazemos votos para que continue, nesses momentos menos luminosos, a saber demonstrar toda a elegância que relevou ao longo destes cinco meses e que possa contribuir para escrever uma página bonita da história do futebol nacional, sendo imitado por muitos outros seus colegas de profissão. Se assim for, teremos uma “lage” de betão, que não se deixará abater pelos insucessos que, estamos certos, conhecerá ao longo da sua carreira.