Há um ano a esta parte o Económico publicou um artigo da minha autoria sob o título “Lage de betão”, onde se enalteciam os méritos de um treinador praticamente desconhecido que havia feito o milagre de conduzir o Benfica ao 37.º título nacional de futebol, vencendo tudo e todos, recuperando sete pontos em relação ao Futebol Clube do Porto e conseguindo um registo impressionante de 18 vitórias e um empate, com 72 golos marcados e 16 sofridos, ao mesmo tempo que apresentava um futebol bonito e catapultava para a ribalta um punhado de jovens que jogavam na equipa B dos encarnados.
Com um discurso unificador, Lage congregou novos e velhos em torno da célebre reconquista, deu a mão a alguns proscritos, fez regressar aos estádios uma mole humana que apoiou incessantemente a sua equipa, retirou pressão aos seus jogadores, não acicatou os ânimos, não entrou em conflitos com os adversários, que respeitou, e soube fazer-se respeitar. Soube ganhar e ser elegante na vitória, afirmando que há coisas bem mais importantes na vida do que o futebol e disse esperar que a reconquista significasse o regresso do bom futebol e das boas maneiras, havendo que dar mérito aos adversários e que defender princípios e valores.
Nesse mesmo artigo, escrito há apenas um ano, já se avisava para os momentos menos positivos que certamente atravessaria no futuro, para a necessidade de saber conviver com a derrota, como conviveu com a vitória, para o tempo em que aqueles que o aplaudiram o iriam apupar, sublinhando que os que agora o queriam para sempre lhe iriam, certamente, num futuro mais ou menos longínquo, mostrar a porta da saída.
O desporto de competição, em geral, e o futebol, em particular, é mesmo assim. Os treinadores passam de bestas a bestiais e de bestiais a bestas num brevíssimo espaço de tempo. Por maiores que sejam, por mais feitos que consigam alcançar, o seu sucesso esfuma-se com a mesma velocidade com que alcançaram a ribalta.
Hoje, um ano após ter conseguido um feito praticamente inimaginável, Bruno Lage passou de melhor treinador do Planeta a alguém incapaz de liderar uma grande equipa, perdeu, num ápice, os sete pontos de avanço que tinha em relação ao Porto, estando já a três pontos de distância do seu rival, e conduz um punhado de jogadores abúlicos, incapazes de vencer quem quer que seja, tendo mergulhado num a espiral negativa de onde ninguém os parece conseguir tirar.
O título, que, há uns meses atrás, parecia uma certeza, é hoje uma miragem e a presença quase certa na Liga dos Campeões resulta tão-somente do que se fez no passado e não do que se está a fazer no presente. A vitória, que antes surgia tão naturalmente, parece agora fazer parte do museu do clube, tal a incapacidade revelada para vencer equipas muito menos apetrechadas.
E o pior não é, ao contrário do que considera a esmagadora maioria dos benfiquistas, a falta de fio de jogo, a falta de capacidade de vencer os adversários, a atitude amorfa que contaminou todo o plantel. O mais grave é que Lage não foi capaz de cumprir os desejos que revelámos há um ano a esta parte. Perder faz parte do desporto. Todas as equipas têm momentos menos brilhantes, todos os treinadores têm períodos mais negros nas suas carreiras, todos os clubes são incapazes de se manter permanentemente em alta. O que não queríamos que acontecesse a Lage, nos momentos menos luminosos que sabíamos que iriam chegar, era que este deixasse de demonstrar toda a elegância que relevou ao longo dos cinco triunfantes meses da época passada, que se deixasse abater pelos insucessos que, como vaticinávamos, certamente iria conhecer na carreira.
Mais do que a derrota, que, obviamente, entristece os adeptos, o que mais marca pela negativa os últimos meses de Lage é a sua mudança de discurso, a sua incapacidade de se manter fiel à ideia de relativizar a importância do futebol perante tudo o resto que vem assolando o mundo, a sua irritação perante as constantes perguntas dos jornalistas, que teimam em lhe apontar a porta da saída.
Lage há-de continuar a treinar, em Portugal ou no estrangeiro. O Benfica há-de voltar a ganhar, seja com o treinador A ou B. O que não será certamente fácil é, no futuro, os adeptos de um clube se deixarem contagiar pelo discurso mobilizador de Bruno Lage, que, ainda há um ano, fazia crer que uma nova mentalidade poderia vir a mudar o discurso instalado no futebol nacional.
Hoje por hoje, Lage é só mais um. Como os outros, é capaz de ganhar e de perder. Como os outros, encontra desculpas para as derrotas, sendo incapaz de se diferenciar de todos aqueles que já por cá andavam quando ele chegou. De “Lage” de betão, passou, em menos de um ano, a “Lage” de papelão.