Este fim de 2020 não será sem sobressaltos. A Covid não desapareceu, e está a mudar muita coisa com consequências que ainda não conseguimos abarcar. Se fossem filmados hoje, no Reino Unido pós-regra dos seis, com Branca de Neve só haveria seis anões e ela não poderia estar com eles na mesma divisão, e Ali Bábá só teria pela frente meia dúzia de ladrões, o que, convenhamos, impressiona pouco; pior, um jantar de família transformou-se num delito. Temos hoje uma mudança radical do nosso dia a dia, das idas ao restaurante e serões com amigos à utilização frequente do omnipresente desinfetante. Uma vacina não é esperada antes de meados do ano que vem, e mesmo depois desta há sinais que vão ficar.

Há, também, boas notícias. O capitano perdeu as eleições deste fim de semana em Itália, o que permite a Conti e seu governo de coligação respirar. E é a segunda vez que acontece, depois da vitória em janeiro na Emilia-Romanha. O populismo não está vencido, mas não está a concretizar a caminhada triunfal que lhe foi vaticinada há um par de anos. E muito se jogava em Itália, sobretudo na Toscânia, bastião tradicional da esquerda, que a governa há 25 anos. É a região com melhores serviços públicos, com desemprego muito abaixo da média nacional e onde as exportações cresceram mais. Perder Florença teria sido um desastre que poderia levar à queda do Governo. Agora, olhos na Bielorrússia, onde poderemos ter o reeditar das intervenções russas dos velhos tempos.

Mas o que mais vai marcar a curto prazo o futuro da Europa são o Brexit e as eleições americanas, que se dão daqui a mês e meio. A vitória permanece incerta, se bem que Biden vá segurando a sua (curta) vantagem. Na frente económica, a Reserva Federal já disse que as taxas de juro se vão manter baixas até final de 2023 (estão entre 0 e 0,25%), para segurar a economia e porque a inflação não chegará aos 2% até esse ano. Isto apesar de já terem sido recuperados metade dos 22 milhões de empregos perdidos e da previsão de queda do PIB este ano ter sido revista de 6,5% para 3,7%.  O BCE faz de même: em março aliviou os requisitos de fundos próprios dos bancos e em junho abriu-lhes uma linha de financiamento a longo prazo a taxas negativas.

Na outra direção temos, claro, Boris e a odisseia do Brexit. Com a imprevisibilidade que o carateriza, propôs legislação que renega o acordo de saída da União que ele próprio assinou, o que provocou a revolta até de deputados conservadores, a quem teve que prometer uma espécie de direito de veto no Parlamento. Como um homem educado faz destas (ele estudou em Eton) é talvez um mistério, mas já dizia Molière que um doido erudito é mais doido que um doido ignorante.