A 17 de maio de 2021 foi criada a Lei nº27/2021 que aprova a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.
Esta é uma carta que procura dar sequência a um conjunto de recomendações da União Europeia sobre modelos de acesso à Internet e a tudo o que ela traz de acesso a informações, com vista a todos os cidadãos e empresas garantirem melhores modelos de eficácia e eficiência, na sua gestão pessoal ou profissional.
Todo o articulado tem um conceito de beneficência positivo e construtivo, à semelhança da Declaração Universal dos Direitos do Homem das Nações Unidas, que prescreveu que todo o mundo aplicasse em legislação local.
Até aqui tudo bem, mas eis que há um simples artigo 6º da lei, sobre o “Direito à proteção contra a desinformação”, que ultrapassa um dos principais direitos fundamentais das Nações Unidas: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão”.
O legislador português acrescenta à carta base de recomendação da União Europeia, neste artigo 6º, uma linha perigosa sobre desinformação e sobre “O que é a Verdade?” e “Quem define a Verdade?”. Esta linha de definir “O que é e quem define” é por si só um problema, pois parte do princípio que existe apenas uma verdade e não múltiplas verdades. Isto é, que só há direito a uma opinião, esquecendo-se que a forma como se vê um evento depende de variáveis como a forma como se contam factos, experiências vividas individual e coletivamente, entre outras.
A desinformação sempre existiu, existe e continuará a existir. A minha verdade pode ser a mentira ou desinformação, como lhe queiramos referir, para outra pessoa. Quantos de nós não ficaram já estupefactos, escandalizados ou maravilhados, perante anúncios televisivos de abrilhantadores de loiça, de sessões religiosas milagrosas ou de crianças fotografadas em cenários de guerra?
No mundo digital passa-se exatamente o mesmo. Procurar criar regras, para uma definição de desinformação, é o mesmo que querer definir que “a minha é melhor que a tua”!
Quando estamos perante novos fenómenos de recrudescimento de radicalismos de esquerda e de direita, o legislador alimenta ainda mais este lume. Não sabemos discutir ideias, pelo que tentamos eliminar à força as ideias dos outros. Não pode ser!
Eu tenho o direito de dizer as maiores “alarvidades” no mundo digital ou físico. E só com o mesmo direito de contra-argumentação e contraditório, por parte da comunidade digital (e não só), se poderá criar valor e esclarecimento.
Este pequeno passo de “dar uma canelada” na liberdade, é como um jogo de bola de miúdos no qual, não havendo árbitro e estando todos divertidos a jogar, um dos miúdos marca golo e outro miúdo, que tinha levado a bola para todos jogarem, diz “não é golo porque a bola é minha e eu digo que houve falta há 10 minutos no início da jogada. Ou é assim, ou acabou o jogo”.
Eu não quero uma imposição de liberdade! Eu quero ter a capacidade de me informar, de me desinformar, de analisar várias perspetivas e de construir a minha opinião. Liberdade digital não é construir robôs humanos que executam e não pensam. Deixem-me pensar!