Há um ano, o Líbano foi destroçado pela detonação apocalíptica de 3.750 toneladas de nitrato de amónio no porto de Beirute. O incidente arrasou várias áreas da cidade, matou dezenas de pessoas e causou milhares de feridos, além dos prejuízos incalculáveis em infraestruturas. Um trauma coletivo vivido em plena pandemia e que fragilizou ainda mais um país que já atravessava enormes dificuldades.

Um ano depois é difícil descrever a angústia e a raiva que pulsam em todos os cantos do Líbano, na sequência dessa explosão. Em cada libanês ferve revolta e indignação pelo facto de os verdadeiros responsáveis pela calamidade não terem sido levados à justiça. Na verdade, a justiça tem sido constantemente obstruída, acentuando tensões e agravando o sentimento de desamparo entre as vítimas.

Olho para a história do Líbano, o país das minhas origens, e vejo uma sucessão de tragédias neste último século que colocaram duramente à prova a sua população. A Grande Fome do Monte Líbano de 1915-18 matou cerca de 200 mil pessoas, e os relatos desse tempo são a materialização dos piores pesadelos. Especulação de preços, péssima gestão otomana em tempo de guerra e até relatos de canibalismo. E claro, não faltou muito para que se seguissem as epidemias de malária, disenteria e febre tifoide.

Quando, finalmente, a independência do Líbano se concretizou, em 1943, isso não ocorreu sem consequências. O legado colonial francês levou a um sectarismo religioso cada vez mais vincado que, décadas depois, conduziria ao eclodir da guerra civil libanesa de 1975-1990, uma das piores guerras de que há memória e que causou mais de 200 mil mortos. Um trauma coletivo que ainda hoje perdura na memória de cada família libanesa.

A situação atual não se define tanto por linhas setoriais religiosas. Na verdade, há uma forte união contra o que se considera ser a fonte de todos os males: uma elite política corrupta até ao osso, em que os líderes, antigos senhores de guerra, perpetuam o seu poder há décadas, recusando ceder o controlo a novas vozes políticas. Caíram em descrédito, tal como as suas promessas ocas de mudança.

O Líbano atravessa, assim, um lento processo de colapso. Em Beirute, muito ficou por reconstruir. A cidade continua marcada por cicatrizes profundas de destruição. Há famílias que ainda não regressaram às suas casas. A moeda desvalorizou. Os libaneses têm acesso a cinco horas de eletricidade por dia. Há filas intermináveis para bombas de gasolina e o custo de vida é absurdamente elevado.

A população só conseguiu manter alguma normalidade graças à enorme diáspora libanesa e à ajuda financeira internacional, mas por quanto tempo? Por quanto mais tempo será possível manter a dignidade num país que está a ser privado dos seus direitos fundamentais e onde reina a impunidade total?

Se o Líbano quer começar a sarar as suas feridas, é urgente iniciar um processo de responsabilização pela explosão de Beirute, a 4 de agosto de 2020. Todos sabemos que os primeiros aniversários são sempre momentos difíceis, em que se revive o trauma. E as ruínas que por lá permanecem apenas recordam que nada foi feito no último ano. Os libaneses merecem que lhes devolvam a esperança.