A liberdade de expressão e a censura são verso e reverso de uma mesma medalha, presentes e de dimensão imprescindível nos princípios constitutivos da democracia. Sem a primeira sufocamos, com a segunda nos acabrunhamos.

A discussão sobre a liberdade de expressão, na sua dimensão de liberdade de informação, tem sido amplificada pelo crescimento das redes sociais. Onde trepam polémicas em volta de notícias falsas, quantas vezes envolvidas em opiniões aparentemente credíveis e factos singularmente irreais. Normalmente intercaladas entre fotos de futilidades e declarações imputadas a quem nunca as pensou.

Estamos perante a necessidade de equacionar como se pode continuar a construir democracias fortes e de respeito pela dimensão individual e coletiva da pessoa humana, na contraposição entre realidades objetivas e objetivos pouco reais.

Vem isto a propósito da recente aprovação de uma diretiva pelo Parlamento Europeu sobre a proteção dos direitos de autor e não só. Debate que tem tido um significativo desenvolvimento pela Europa fora, sem grande impacto em Portugal, mas com claro interesse geral para destinatários diretos.

A discussão tem sido orientada entre aqueles que entendem que qualquer pagamento, restrição ou limite, é uma forma de censura à livre circulação de informação, em contraponto com os que defendem o direito a uma adequada retribuição dos que expressam a sua capacidade criativa, quer seja escritor, músico ou artista. Mas alberga os meios de comunicação social, que veem as plataformas das redes sociais assumir um papel de predador na divulgação imparável de textos, notícias ou músicas, sem qualquer reconhecimento pelos custos de produção.

Os utilizadores querem conhecimento. Apreciando e gozando sons, rimas, cores ou letras. Não se importam com o modo de acesso e de preferência com acesso gratuito (quem não tentou aceder a conteúdos sem custos). Recorre-se por isso aos meios mais diretos, simples e baratos de acesso. Trata-se de algo donde não resulta uma crítica social extrema. E poucos o entendem como crime.

Se não protegermos os criativos estaremos a desconstruir uma das dimensões mais ricas da evolução humana. Se não protegermos os que têm a responsabilidade de informar, estaremos a regredir décadas na formação de personalidades e na construção de opiniões livres e conscientes na participação cívica.

Não se trata de limitar as redes sociais, conscientes de que estas alteraram o panorama da informação. Mas manter todas as incontáveis redes e aplicações, sítios e meios de acesso ilimitado, sem regras, sem regulação, sem respeito por princípios ou deontologia provocará inevitavelmente distorções sociais.

As famigeradas fake news carecem de meios para as denunciar ou evitar. O crescimento da internet e o seu acesso indiscriminado em todas as plataformas, lugares e momentos não criou nem uma sociedade mais justa, nem conduziu a cidadãos mais informados. O encerramento ou o mero acesso digital de jornais, a proliferação de notícias, a substituição de televisões generalistas com conteúdo informativo por canais de mera diversão podem conduzir a um maior afastamento dos cidadãos da sociedade onde se inserem.

Pode parecer censura limitar acessos a conteúdos em qualquer plataforma. Mas censura maior é contribuir para que quem gera conteúdos e aqueles que os publicam deixem de existir. A prazo estaremos a diminuir o processo criativo geral e a pôr em causa a liberdade de acesso ao próprio conhecimento.

A discussão não se esgota na nova diretiva e vai combinar os elementos de acesso e de criação. E do resultado final combinado tem de se fixar um equilíbrio entre a liberdade de expressão, e a melhoria das condições de criação e informação. Sem controlo, mas com reconhecimento do valor humano.