Quando a liberdade de expressão foi consagrada pela primeira vez, nos primórdios do constitucionalismo, era mais um privilégio de classe do que propriamente um direito fundamental de todos os cidadãos.
Em finais do século XVIII, quantas pessoas é que, na América do Norte ou em França, tinham instrução e cultura suficientes para desafiar o statu quo, escrever livros e publicá-los? Só essas podiam temer a censura e as perseguições inerentes. Que oportunidades existiam para as pessoas comuns projetarem a sua voz, diante de plateias alargadas, ou para defenderem as suas ideias sobre política, filosofia ou religião?
Com a disseminação dos jornais e, mais tarde, com o nascimento da rádio e da televisão – e com o aumento progressivo dos níveis de literacia da população –, o número de pessoas com capacidade para participar ativamente na esfera pública aumentou de forma substancial. Só muito recentemente, porém, com o advento das grandes plataformas digitais, como as redes sociais e as aplicações de mensagens instantâneas, é que a liberdade de expressão se universalizou.
Tal como o sufrágio, que demorou largos anos a passar de restrito (censitário ou capacitário) a universal, também foi preciso esperar muito tempo para a liberdade de expressão se converter num direito exercido pelo comum dos mortais. Graças às plataformas digitais, hoje, todos os cidadãos podem partilhar livremente as suas ideias e os seus estados de alma com um número de destinatários potencialmente ilimitado.
Contudo, acreditar que Musk e Durov são paladinos da liberdade de expressão é o mesmo que acreditar no Pai Natal. Cada um deles, à sua maneira, gere um negócio numa economia capitalista e altamente competitiva. Por isso, todos os conteúdos postos em circulação são bons desde que gerem tráfego, atenção dos utilizadores e possam de alguma forma ser monetizados.
Em contrapartida, controlar a imensidão de mensagens de texto, voz e imagem geradas pelos utilizadores dá muito trabalho e custa muito dinheiro, mesmo que se recorra a inteligência artificial. Rever e bloquear conteúdos é o mesmo que colocar areia na engrenagem.
O apreço de Musk e Durov pela liberdade de expressão é proporcional ao potencial que esta tem para manter a respetiva plataforma à margem de qualquer tipo de regulação. A liberdade de expressão não é um direito fundamental dos utilizadores, mas um item do modelo de negócio – ao mesmo nível do algoritmo e do rastreamento de dados pessoais.