Num momento em que, por toda a Europa, se discute o uso intensivo de telemóveis por crianças e adultos, impõe-se uma reflexão urgente: estamos a humanizar ou a aprisionar-nos neste mundo tecnológico? O telemóvel trouxe-nos, sem dúvida, uma nova liberdade: abriu janelas para o mundo, transformou paradigmas e encurtou distâncias. Mas será esta liberdade real ou apenas ilusória? E as redes sociais? Promovem a verdadeira conexão ou acentuam a desconexão? Acrescentam valor ou subtraem da nossa essência?
A liberdade associada ao telemóvel é inegável. A mobilidade e o acesso imediato à informação transformaram a forma como trabalhamos, comunicamos e consumimos. No entanto, seria simplista rotular as redes sociais e as aplicações digitais como intrinsecamente negativas. Para avaliar o seu impacto, é fundamental distinguir entre a solidão escolhida – necessária ao autoconhecimento e à criatividade – e a solidão imposta pela dependência digital. Estar sozinho pode ser fonte de recarga e reflexão, mas quando o telemóvel se torna o fim em si mesmo, e não um meio, passamos a ser controlados pela tecnologia.
Neste contexto, importa analisar de que forma algumas aplicações podem potenciar uma relação mais equilibrada com o digital, desde que usadas de forma consciente e intencional.
As plataformas de entretenimento partilhado, como Netflix ou Disney+, podem ser enriquecedoras quando promovem momentos de partilha como o comentário, o debate e a troca de ideias sobre o que se vê. O risco está no “binge watching” solitário, que afasta das relações presenciais e reduz a interação social.
As ferramentas de reflexão e produtividade, tais como aplicações de meditação, diários digitais ou plataformas de aprendizagem podem transformar o tempo a sós em oportunidades de crescimento pessoal e profissional, promovendo o autoconhecimento e a criatividade.
Por último as aplicações de distração que, quando utilizadas de forma pontual, podem ajudar a gerir o excesso de informação e o tédio. O desafio está em estabelecer limites claros, evitando que se tornem mecanismos de fuga e perpetuem a dispersão.
No ambiente profissional, a justificação do “scroll infinito” com o argumento de que se está a trabalhar tornou-se habitual, mascarando uma forma moderna de phubbing – ignorar quem está ao lado em prol do telemóvel. Este comportamento contribui para o afastamento da empatia, da presença e da escuta ativa, competências essenciais para a inteligência emocional e para a liderança eficaz.
A chamada “economia da solidão” é hoje uma realidade: plataformas e serviços digitais oferecem companhia artificial ou experiências de consumo como paliativo para o vazio emocional, multiplicando o isolamento em troca de lucro. As consequências são reais e mensuráveis: custos acrescidos em saúde mental, aumento do absenteísmo laboral e impacto negativo no PIB. Estudos recentes equiparam o impacto económico da solidão ao do tabagismo, com perdas estimadas em milhares de milhões de dólares devido à redução da produtividade e ao aumento dos custos de saúde.
Reverter este ciclo exige ação deliberada: promover pausas digitais, incentivar a conexão presencial, reconectar com a natureza e desmontar as desculpas automáticas que perpetuam o distanciamento. Só assim será possível cultivar a presença, reconstruir a confiança relacional e restaurar competências como a empatia, a liderança e a inteligência emocional – pilares fundamentais para uma sociedade e um tecido empresarial mais equilibrados e humanos.