Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, voltou a surpreender o mundo digital quando anunciou, há poucas semanas, que vai lançar uma criptomoeda em 2020. A libra. Para tal, vai “liderar a associação que lançará a criptomoeda como parte do plano de expansão das redes sociais para o comércio eletrónico”, disse Zuckerberg, citado pela agência Reuters. Em termos práticos, esta comunicação também funcionará como um chamariz mundial dirigido às organizações e empresas atentas e interessadas em investir no potencial tecnológico das blockchain. É verdade que no momento em que Zuckerberg anunciou esta decisão estratégica – no passado 18 de junho –, não caminhava sozinho nesta cruzada. Já contava com o apoio de 28 membros fundadores da sua Associação Libra, sediada em Genebra, na Suíça (ver infografia).
Entre esses membros está o unicórnio português Farfetch, liderado por José Neves, seu presidente executivo (CEO). Note-se que o objetivo do líder do Facebook é lançar no primeiro semestre de 2020 a criptomoeda Libra e o porta-moedas digital Calibra. Nessa fase de arranque deste projeto, Zuckerberg já conta estar rodeado de 100 membros na Associação Libra.
Entre todos os seus colaboradores motivados para esta “cruzada” digital, há um que se distinguiu: David Marcus, que foi presidente da PayPal entre abril de 2012 e julho de 2014. Na sua página do LinkedIn, Marcus – responsável pelo Calibra desde junho de 2019 –, evidencia como todo o processo de maturação da Libra foi rápido e altamente focado. Na sua cronologia profissional refere que entre maio de 2018 e junho de 2019 – portanto, durante um ano e dois meses –, analisou e explorou as potencialidades do blockchain. Mas antes disso já tinha sido vice-presidente da área de Messaging Products do grupo de Zuckerberg, entre agosto de 2014 e maio de 2018.
Tendo a cronologia profissional de David Marcus como referência, dir-se-ia que durante a anterior edição do Web Summit realizada em Lisboa, o responsável pela Calibra já teria uma ideia definida sobre a tecnologia que deveria desenvolver no mundo dos porta-moedas digitais e das criptomoedas. Fontes do sector admitem que entretanto Marcus deve ter dado um dos melhores contributos para o amadurecimento da tecnologia com que o líder do Facebook quer massificar os meios de pagamento digitais. Não será mais que uma coincidência, mas à semelhança de José Neves, CEO da Farfetch, David Marcus, por razões pessoais, manterá igualmente uma proximidade ao mercado português – onde residem familiares seus.
Centrando a atenção no projeto da Libra, afinal, que pretendem Zuckerberg, Marcus, o CEO da Farfetch e os membros da Associação Libra de sectores tão variados quanto os meios de pagamento, tecnologias, telecomunicações, o blockchain, o capital de risco, as organizações internacionais sem fins lucrativos e as instituições académicas?
Vamos por partes. Começando pelas equipas do Facebook, elas já foram determinantes na criação da Associação Libra e do blockchain Libra, trabalhando em coordenação com outros membros fundadores. Mas ainda caberá a esta associação tomar as decisões finais na altura do lançamento da criptomoeda, porque o Facebook já assumiu que “deverá manter um papel de liderança durante o ano de 2019”. Entretanto o Facebook já criou o Calibra, como uma sua subsidiária regulamentada, que garante a separação entre dados sociais e financeiros e a operacionalidade dos serviços que pretende desenvolver em seu nome, na rede Libra. Mas depois da rede Libra ter sido lançada, “o Facebook e suas afiliadas terão os mesmos compromissos, privilégios e obrigações financeiras que outros membros fundadores”, diz o site explicativo da Libra.
O Facebook já disse publicamente que a sua nova subsidiária Calibra terá como objetivos fornecer serviços financeiros que vão assegurar o acesso das pessoas à rede da Libra. Nesse sentido, também esclareceu que o primeiro produto da Calibra será um porta-moedas digital através do qual se poderá utilizar a criptomoeda Libra criada pela tecnologia blockchain. Explica ainda que este porta-moedas digital estará disponível a partir de 2020 no Messenger, no WhatsApp, mas também na forma de uma app.
Desafio social à escala global
O Facebook não esconde o desafio social e económico que pretende enfrentar com o porta-moedas digital da Calibra, que pode ser utilizado para “poupar, enviar e gastar” a moeda Libra à escala global. Refere a rede social liderada por Zuckerberg que há muitas pessoas em todo o mundo sem acesso a serviços financeiros básicos. “Quase metade dos adultos a nível mundial não tem uma conta bancária ativa e essa realidade é pior nos países em vias de desenvolvimento e ainda pior entre a população feminina”, refere.
“O custo desta exclusão é elevado – aproximadamente 70% dos pequenos negócios nos países em desenvolvimento não têm acesso ao crédito e todos os anos 25 mil milhões de dólares são perdidos pela população migrante nas comissões que pagam pelas suas remessas de dinheiro”, comenta a rede social.
Praticamente qualquer pessoa que tenha um smartphone poderá utilizar o Calibra para enviar quantias em Libra de forma tão simples e instantânea como quem envia uma mensagem de texto por um custo nulo. Além disso, a rede social admite que pretende oferecer serviços adicionais destinados às pessoas e às empresas, tais como o pagamento de contas através de um toque num botão, a compra de um café através da leitura de um Código QR, ou a utilização de transportes públicos sem necessidade de pagar com dinheiro ou de ter um passe social. Relativamente à questão da cibersegurança, os responsáveis pela Calibra dizem que terá “proteções fortes de forma a manter o dinheiro e a informação seguras”, recorrendo aos “mesmos processos de verificação anti-fraude utilizados pela banca e pelos sistemas de cartões de crédito, com a mesma proatividade na monitorização de atividades que se relacionem com o sistema da Calibra para detetar e prevenir comportamentos fraudulentos”.
A este respeito, o CEO da Fartetch, José Neves, citado pela Reuters, acredita “que a blockchain vai beneficiar a indústria do luxo ao melhorar a proteção de IP, a transparência no ciclo de vida dos produtos e – como é o caso da Libra – ao eliminar atritos das operações de e-commerce globais”. Mas a Libra não “reinará” sozinha. Outros sistemas de pagamentos digitais têm sido testados, sendo utilizados diariamente por milhões de pessoas na China, como são os casos da rede Alipay, criada no final de 2004 por Jack Ma, fundador do site Alibaba, e da rede do WeChatPay, lançada em 2011 pela Tencent. Só em 2018, este tipo de pagamentos terá mobilizado cerca de 35 mil milhões de euros em yuans, com 53% destas transações realizadas via Alipay e 39% pelo Sistema da WeChatPay, refere o jornal francês Le Figaro, esclarecendo que estes sistemas já estão a evoluir para uma tecnologia de reconhecimento facial – diz o Le Figaro que a Alipay inaugurou esta tecnologia em 2017, num restaurante da rede KFC em Hangzou, admitindo que o “pagamento pelo sorriso” terá um crescimento “explosivo”.
Quanto à estabilidade do valor da Libra, alguns especialistas admitem que o seu modelo evitará volatilidades extremas como as registadas com outras criptomoedas, incluindo a bitcoin. Através de uma “reserva financeira” a Libra terá uma espécie de indexação a divisas de referência como o dólar, o euro, a libra esterlina e o iene, e a carteiras de dívida pública com grande profundidade de mercado, respeitando “exigentes” regras de participação na Associação Libra, que “balizam” as entradas dos membros a investimentos mínimos de 10 milhões de dólares.
Artigo publicado na edição nº 1996, de 5 de julho, do Jornal Económico
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