(Numa outra vida, cada vez mais perto de ser recuperada, escreverei sobre a loucura dos últimos meses e a evidente desilusão de quem se habituou a ver o desporto como algo em que ganham ou os melhores ou os que têm mais sorte. Vejo agora mais claramente que o futebol se limita a ser o espelho da sociedade. Para quem não gosta de jogos viciados, à perplexidade quanto ao que se passa no futebol soma-se a um incomensurável desgosto. Ademais, a campanha nas eleições do meu clube, Sporting Clube de Portugal, atingiu proporções épicas, de que me envergonho. Não vale tudo, sob pena de não se ser diferente do que dizemos dos nossos adversários.)

Com o final das férias e ainda ao sabor da magnífica publicidade que o Governo tem feito de si mesmo e, também, de Portugal, esperar-se-ia o anúncio de alterações no mundo judicial, quanto mais não fosse com o efectivo regresso das competências aos tribunais encerrados por Paula Teixeira da Cruz ou, igualmente relevante, com a diminuição dos custos que cada cidadão tem de suportar com a justiça. Refira-se, a título de mero exemplo, que enquanto o recurso a médicos se encontra isento de IVA, os advogados vêem-se obrigados a cobrar esse imposto.

Do mesmo transe, enquanto a designada utilização do Serviço Nacional de Saúde é feita mediante o pagamento de uma taxa moderadora, o recurso aos tribunais pressupõe idêntica taxa mas com valores significativamente diferentes e mais elevados, pelo que, de facto, a Justiça se tornou um bem de luxo. Se a isto somarmos outros encargos, a consequência pode ser a desistência do cidadão médio fazer valer as suas pretensões.

Um país que, pela via económica, denega justiça não pode ser considerado um Estado de Direito. Tudo isto, é certo, tem sido feito e mantido ao longo dos anos pelo poder político com uma certa complacência das entidades representativas das diversas profissões do foro. Pese embora a publicidade que é feita sobre a modernização, cosmética à parte, o que é essencial não mudou, sendo que nos continuamos a pautar pela falta de meios e pela morosidade, a espaços com uma tal disfarçada aceleração que não permite, sequer, ver o eixo da via.

É certo que vivemos num mundo de mediatismo, onde tudo se pensa a curto prazo e o que ontem foi mentira hoje pode ser verdade. O investimento na Justiça pode não ser tão apelativo quanto uma auto-estrada, um TGV ou algo remotamente relacionado com o turismo, essa nova grande “indústria” de Portugal. Em suma: a Justiça, no seu todo, tem sido a enteada das escolhas políticas e os que a ela recorrem filhos de um deus menor.

Mesmo no meio desta onda de optimismo, alguém tem que dizer que um dos obstáculos ao investimento é a morosidade dos tribunais e a dificuldade no seu acesso.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.