Imaginando a pandemia como um jogo de futebol com duas partes, diremos que estamos no intervalo, depois de um primeiro tempo com a “partida” interrompida durante três meses, e um período de “descontos” que trouxe as competições por agosto dentro, com a Liga dos Campeões a terminar agora, em Lisboa.
É neste período de “intervalo” da pandemia que nos é dado a conhecer o relatório da World Football Summit sobre os efeitos da Covid-19 na indústria do futebol. O documento – “Covid-19 Implications on the Football Industry” (disponível aqui) – alerta que “a recuperação dos efeitos da pandemia de Covid-19 será uma partida longa e dura para a indústria do futebol. Especialistas de topo acreditam que alguns dos desafios colocados por esta crise sanitária sem precedentes vão permanecer pelo menos até 2024”. Ou seja, as ondas de choque deste sismo sanitário sobre as finanças do futebol durarão pelo menos quatro anos.
Especialistas desta indústria classificaram com notas entre 1 e 7 os impactos causados, e entre os 23 critérios avaliados aparecem “eventos”, “receitas” e “clubes”, com nota acima de 6 (em 7!). A realidade afigura-se, pois, desafiante, e reforça a urgência de repensar estratégias de investimento numa indústria que só em passes de jogadores movimenta anualmente milhares de milhões de euros – um documento da FIFA relativo à última época aponta para 5,6 mil milhões de euros transferidos de ou para clubes europeus. Entre os tradicionais patrocinadores dos clubes e da indústria, o impacto está a ser de 5,16 (na referida escala de 1 a 7), o que prefigura que estes se tornem mais “frugais” na renovação dos contratos de patrocínio.
Quando já se disputam os primeiros encontros de qualificação para a fase de grupos da Liga dos Campeões (na qual o FC Porto tem entrada direta e o SL Benfica depende da vitória em duas rondas para assegurar uma presença que, nos últimos exercícios, garantiu cerca de 20% das receitas totais da SAD), os grandes clubes da Europa jogam a sua solvência financeira.
Pegando no exemplo do mais recente empréstimo obrigacionista de uma SAD portuguesa, no caso do SL Benfica, o prospeto (documento que obriga as sociedades a identificarem os riscos previsíveis da sua atividade) é claro a identificar o que pode correr menos bem.
O prospeto da operação, publicado em Junho de 2020 no site da CMVM, admitia que “ainda estão por determinar na sua totalidade” os efeitos da paragem das competições provocada pela pandemia da Covid-19. E, sobre esta paragem (que ninguém arrisca dizer se terá ou não repetição já neste Inverno), o documento é claro: “terá um impacto significativamente adverso no âmbito desportivo e, sobretudo, económico e financeiro […] Esse efeito adverso poderá manifestar-se de várias formas, nomeadamente na redução de prémios da UEFA, redução das receitas de bilheteira em virtude da realização de jogos à porta fechada e diminuição das transações de atletas ou do seu valor, o que poderá afetar significativamente a atividade do Emitente, o seu desempenho e situação financeira”.
Diga-se que estes danos não diferem de todas as SAD dos chamados “grandes” do futebol nacional. É neste cenário que vemos terminar a época 2019/2020, com o término da Liga dos Campeões, a “Liga Milionária”, em Lisboa, e já assistimos à preparação para a próxima, mais incerta que o resultado da final de dia 23 no Estádio da Luz.