Ou a arte de sermos cosmopolitas por osmose
(A cidadã Rita Garcia Pereira, à semelhança dos demais comuns mortais, paga estacionamento por todo lado, incluindo perto dos tribunais, onde se desloca em trabalho. Muitas vezes, chegando um minuto atrasada, ganha um envelope vermelho no pára-brisas; outras tantas porque nem lugar pago existe, chega à viatura e encontra-a enfeitada com uma fita amarela e preta, à laia de prenda paga, ao custo módico de cerca de 100 euros. Já Madonna Ciccone conseguiu uns míseros 15 lugares de estacionamento, a custo de saldo. Bem pode Marcelo andar a dar respostas com classe ao inefável Trump – desfeita depois, é certo, no RIR… – que, cá chegando, eles acabam sempre por se rir por último. Por vezes, não somos sequer um país mas uma imensa província, onde uma estrela é facilmente confundida com todo um firmamento.)
O sol não chegou em definitivo ainda mas a silly season está para durar. Um manda-nos ter filhos, em resposta a outro que afirma não poderem existir progressões na carreira para se remodelar o IP3. As greves dos professores são torpedeadas, com sorrisos cínicos na televisão e sob uma aparente capa de porreirismo. Por seu turno, Cristas manda-nos trabalhar, num país onde tantos o fazem para além do horário, sem que a tal corresponda qualquer pagamento.
É a isto que está reduzida a nossa política, num país onde o que move montanhas é o futebol. Com a crise no Sporting em banho-maria e a saída sem glória do mundial, aos portugueses resta pouco mais do que aguardar pelo próximo escândalo a sério, já que umas bagatelas de negociatas entre presidentes de junta não têm a virtualidade de nos reter mais do que uns míseros minutos. A verdade é que vivemos tão entusiasticamente, quando não mesmo com explosões de raiva, cada clique, sem qualquer fio condutor e esquecendo-nos no minuto a seguir do que nos motivou antes.
Estamos agora convencidos que somos cosmopolitas, sem nunca nos ser explicado que essa condição se ganha menos pelo que ostentamos do que pelo que conseguimos aprender. E, pior, sem que perdamos velhos hábitos racistas e tão típicos de sociedades em decadência como o de chamar “preta de merda” a uma estrangeira, cujo aparente defeito foi não ter percorrido a Avenida da Liberdade de sacos na mão (sim, que o nosso racismo é, também ele, selectivo).
Graças ao turismo, dizem-nos, é verdade que partes das cidades estão mais limpas (curiosamente, as outras zonas, residenciais e, portanto, menos turísticas, parecem mais sujas) e arranjadas, começando a parecer um supermercado gigante para gente rica. Contudo, o que ninguém nos diz é que o cosmopolitismo não se adquire por osmose, ainda que se oiça música pop estrangeira há décadas. Costuma dizer-se que, em terra de cegos, quem tem olho é rei. Aqui, ser rainha equivale, também, a lugares a estacionamento. Definitivamente, temos o que merecemos.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.