Portugal habitado será o litoral continental mais os dois arquipélagos. Cidades como Coimbra ou até mesmo Viseu entram no conceito litoral. Há umas dezenas de anos desenvolvi em artigos o conceito rurbano – nem rural, nem urbano – para caracterizar as zonas de maior densidade populacional de Portugal continental.

Nesse tempo, ainda eram menos as pessoas que viviam em prédios de apartamentos do que as que habitavam casas unifamiliares. Hoje, é o inverso. Caracterizei essa continuidade populacional no litoral como uma grande região rurbana que ia de Setúbal ao Porto.

Richard Florida, americano professor na Universidade de Toronto, veio mais tarde a caracterizar esses grandes aglomerados populacionais que unem várias cidades, onde as ideias fluem geograficamente através do contacto pessoal, como mega-regiões criativas. Florida tornou-se conhecido ao popularizar o conceito de classe criativa, um subconjunto de pessoas cujo trabalho envolve criatividade e inovação.

Em 2008, Florida publicou “Who’s Your City?: How the Creative Economy Is Making Where You Live the Most Important Decision of Your Life” (Que cidade é a sua: como a economia criativa está a tornar o local onde vive na mais importante decisão da sua vida). O livro apresenta mapas das mega-regiões na América do Norte e na Europa. Para Florida, Setúbal é a extremidade sul de uma mega-região criativa de população contínua que prossegue para norte para além do Porto até A Corunha, a outra extremidade.

Seria ótimo para todos que as populações permanecessem nas suas terras e não emigrassem para essa mega-região a que Florida chama simplesmente Lisboa. Mas isso não vai acontecer porque, apesar da infernal mobilidade e dos loucos preços da habitação, é nas cidades que supostamente os filhos e os netos dos que ficaram encontram oferta de trabalho compatível com aquilo que estudaram.

Tal como Espanha ou Itália, onde estão à venda aldeias inteiras, o interior será um deserto povoado pelos velhos que ainda sobrevivem, reformados holandeses, algumas pequenas cidades com uma universidade ou uma indústria-âncora, e agricultura que emprega nepaleses. É a realidade que nenhuma mirífica regionalização iria travar.

Antes, pelo contrário, os recursos dos contribuintes necessários a coisas verdadeiramente importantes para as populações que restam iriam ser desviados para pagar a uma nova dispensável e dispendiosa burocracia a fazer lembrar o feudalismo.

Ouvi há dias uma entrevista na rádio Observador com um autarca influente. Apresentou uma série de argumentos supostamente a favor da regionalização. Fiquei surpreso porque os argumentos que avançou são, na minha opinião, contra a regionalização. Os números que referiu mostram que a continuada emigração do chamado interior para o litoral, e para o estrangeiro, esvaziaram de sentido regionalizar o que já não é do ponto de vista populacional regionalizável.

Regionalizar as terras progressivamente abandonadas? Nenhuma suposta regionalização conseguiria travar esse êxodo para uma mirífica melhor qualidade de vida nas grandes cidades, locais na verdade cada vez menos aprazíveis, com rápida degradação da qualidade de vida.

A oferta de transportes públicos é ridícula, demora-se em hora de ponta hora e meia de carro de um extremo a outro de Lisboa. O excesso de turistas transformou em parque de diversões o que antes eram bairros com autóctones. Os serviços claudicam perante a pressão e a falta de recursos. As ambulâncias avariam e os doentes morrem a caminho do hospital.

Foi há 31 anos, a 8 de novembro de 1988, que os portugueses votaram o referendo sobre a regionalização. Mais de 60% disseram não. Participei ativamente na campanha contra a regionalização. Fui o autor de um dos outdoors. Um mapa que mostrava que Portugal é a região que ocupa a maior área da Península Ibérica e é também a mais populosa.

Em segundo lugar fica a Andaluzia. A ideia subjacente era a de que esquartilhar o país em oito áreas administrativas iria reduzir definitivamente a importância política que área e população conferem ao país no âmbito da península e, por conseguinte, na Europa.

Felizmente, os portugueses tiveram bom senso. E estou seguro que o bom senso então demonstrado prevalece hoje ainda com maior acuidade.