Lisboa é a minha cidade. Aprendi desde cedo a calcorrear as suas calçadas, a subir as suas colinas ao encontro dos miradouros, a perder-me na costa do castelo ou nos passeios pelo rio, enquanto esperava pelo pôr do sol e os tons rosados que preenchiam o horizonte. Lisboa cidade de bordo, como descrita por José Cardoso Pires.

Em adolescente, aprendi a desvendar sozinha a malha urbana alfacinha, pois é preciso algum tempo de convivência com Lisboa para conhecer os seus truques e formas de atalhar caminho. Cresci imersa na cultura dos vários bairros lisboetas, desde Arroios, Saldanha e Martim Moniz à Sé e Alfama. Ainda me recordo dos antigos elétricos de Lisboa a descerem a Avenida Almirante Reis, por entre os carros e sirenes.

Todas estas memórias regressam fortes e fazem-me compreender como é impossível Lisboa não ser uma cidade encantadora aos olhos de estrangeiros. Era uma questão de tempo até os seus segredos serem partilhados com o mundo. De repente, muitas pessoas passaram a querer usufruir da experiência lisboeta que tantos de nós romantizámos nas nossas infâncias e adolescências. As coisas boas da cidade tentavam compensar as coisas más.

Há um pequeno milagre no facto de Lisboa ter saído relativamente incólume de tragédias coletivas, desde o grande terramoto de 1755.

Tenho uma vaga memória das imagens na televisão do enorme incêndio do Chiado, em 1988, que causou duas vítimas mortais. Desde então, convencemo-nos de que podemos ignorar a ocorrência de novas tragédias, sabendo perfeitamente que vivemos no fio da navalha. Queremos acreditar muito que talvez nada volte a acontecer em Lisboa.

Essa crença agora foi fortemente abalada perante a tragédia do Elevador da Glória, que causou 15 vítimas mortais até ao momento em que escrevo esta crónica.

Não tenho qualquer desejo de escrever sobre política neste momento. Quarta-feira foi um dia muito difícil para quem acompanha os trabalhos da Câmara de Lisboa. Chegará o tempo de tirar ilações. Hoje só quero partilhar a tristeza por ver a minha cidade a braços com este horror, e a dor que causa a imagem de um elevador centenário em destroços, palco de uma tragédia que agora é inscrita na memória da cidade para sempre. Vidas que se perderam num acaso absurdo, no lugar errado no momento errado.

Lisboa vai continuar a seguir o seu caminho, mas esse caminho já não será tão inocente. Já não viveremos na crença absurda de que talvez nada volte a acontecer em Lisboa. E agora há muito mais dor e raiva.