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António Bernardo: “Lisboa terá condições para ser a capital europeia da economia sustentável”

Responsável pela Roland Berger, em exclusivo ao Jornal Económico, considera que o novo pacote de apoios da UE será uma oportunidade única para destacar Lisboa na captação de ‘novas’ startups.
29 Maio 2020, 11h40

Em vez das empresas de entregas ao domicílio, da gestão de vendas online, das redes de explicações por Zoom a estudantes do secundário, ou da produção de máscaras personalizadas, as verdadeiras “estrelas” dos negócios da “nova normalidade” no mundo digital ‘pós-Covid-19’ serão as startups que atualmente aguardam lançamento. Neste universo, “Lisboa – e Portugal – tem todas as condições para ser a capital europeia de uma economia sustentável e circular”, que “desenvolve a mobilidade elétrica, as smart grids e as energias renováveis”. Serão estes os novos negócios que vão combater a crise económica e social provocada pela pandemia do novo coronavírus, segundo António Bernardo, senior partner da consultora multinacional Roland Berger, especialista em estratégia corporativa e membro do conselho da StartUp Lisboa.

Responsável pelos mercados da América Latina, Portugal, Angola e Moçambique, e pelos escritórios da Roland Berger em Portugal, Espanha, Itália e Brasil, António Bernardo considera que “o novo pacote de apoios da União Europeia destinado a recuperar a atividade económica dos Estados membros – através do qual Portugal poderá ter acesso a 26,3 mil milhões de euros, se Bruxelas aprovar estes próximos apoios, eventualmente até ao início do verão –, ajudará bastante ao financiamento de novos negócios, sendo a grande oportunidade para que Portugal possa dar o salto decisivo para modelos de negócio mais sustentáveis, da economia circular, da mobilidade elétrica e autónoma, da energia renovável e das smart grids”.

“Esse futuro pacote de apoios será importante para a Europa poder investir mais no universo destas startup para conseguir ser mais autónoma, reduzindo o nível de dependência em relação aos demais blocos económicos mundiais”, refere António Bernardo. “Chegámos à conclusão que os líderes dos maiores países não se aperceberam que a dependência da China em determinados grupos de bens e serviços já era muito grande”, adianta, explicando que “isso não significa que regressemos ao protecionismo, mas permite desenvolver uma reflexão sobre os inputs críticos existentes dentro dos grandes blocos geográficos”.

“Creio que a Europa deve, seguramente, investir muito nas novas tecnologias digitais e nas questões ambientais e de sustentabilidade, onde já será, talvez, o bloco geográfico mais desenvolvido. É o caso das energias renováveis e da mobilidade elétrica. Aí não temos desvantagens face aos Estados Unidos, enquanto em outras áreas mantemos desvantagens”, comenta António Bernardo.

“Agora teremos a grande oportunidade de Portugal se conseguir focar mais na área da sustentabilidade, além de que o nosso país não tem uma base industrial muito forte. Isto significa que há uma grande oportunidade para repensar o nosso mix de atividades económicas, no sentido de serem mais orientadas para as que têm maior valor acrescentado e que têm a ver com a sustentabilidade e com o ambiente”, sugere. “Portugal pode desempenhar aí um papel importante e estes novos apoios da União Europeia vão, certamente, andar muito por aí, nas novas indústrias e num modelo que permita criar mais equilíbrio nos sectores que produzem riqueza”, adianta António Bernardo, considerando que “Portugal mostrou que tem uma capacidade de reação rápida, quer pública, quer privada – viu-se na forma como todos temos gerido a pandemia da Covid-19 – e isso é a nossa vantagem competitiva”.

“Os projetos de grande expressão tecnológica das startup – uma área em que Portugal já tinha vindo a destacar-se e onde tem alguns unicórnios –, podem vir a ser aumentados, atendendo à próxima disponibilidade de grandes volumes de capital que agora permitirão responder a um dos principais problemas sentidos pelos parques de ciência e tecnologia das escolas de ensino superior – ter acesso a funding para maior número de projetos”, comenta António Bernardo.

“Berço das próximas startup”
“Temos de passar este ‘vale’ – onde muitas startup ficaram com problemas de liquidez –, e de ultrapassar esta fase de dificuldades. Sou membro do conselho da StartUp Lisboa e acompanho todos os dias esta questão – ainda esta semana fiz um webinar sobre isso. Acredito que essas iniciativas vão ser reforçadas e que Portugal, e Lisboa, pode assumir um papel semelhante ao de Berlim e Dublin, que são grandes centros tecnológicos. Lisboa pode ser mesmo o grande centro das startup. A nós interessa-nos estar na vanguarda da tecnologia e podermos ser o berço das próximas startup que se queiram assumir com maior relevância internacional durante os próximos tempos, que sejam uma referência na recuperação económica mais importante deste século”, considera.

“Portugal é muito querido na área do ambiente – não só Lisboa, mas o Porto e outras cidades portuguesas que começaram a ser conhecidas pelo desempenho das startup que trabalham nas respetivas regiões. Temos um excelente ambiente social e humano, e os jovens gostam deste tipo de sociedades. Por isso, temos de apostar mais na sustentabilidade ambiental para nos constituirmos como a diferenciação de referência nesta área”, defende.

Para já, “a digitalização da sociedade e dos negócios entrou em velocidade acelerada”, diz. “Começando por nós, pela Roland Berger, quando a pandemia impôs restrições às deslocações, impedindo viagens internacionais, começámos a fazer home office com os clientes para acompanharmos os projetos de cada um. Eu passava 60% do meu tempo no México, no Brasil e em Angola, e agora estou a trabalhar com clientes do México, do Brasil e de Angola a partir de Lisboa, de uma forma normal, com todas as componentes habituais do nosso trabalho a funcionarem bem. Isto mostra que houve uma mudança completa que já está a ter um impacto global nos modelos de negócio”, refere António Bernardo.

“É verdade que as empresas têm de efetuar um investimento tecnológico para viabilizarem este novo modo de funcionamento, mas também é verdade que atualmente as plataformas digitais são de fácil acesso. As médias e grandes empresas já estavam todas com níveis de digitalização que, não sendo um nível ótimo, nem que atinja o máximo de eficiência, já permite trabalhar em teletrabalho e fazer a ligação entre cadeias de valor, fornecedores e clientes, de forma digital. É sempre necessário fazer investimentos, mas a base já existia nas médias e grandes empresas. Principalmente, esta questão está centrada na mudança de processos e na formação de pessoas. É uma grande oportunidade para acelerar determinados processos que as pessoas já admitiam que teriam de alterar, mas cujo objetivo acabavam sempre por adiar. Na banca, por exemplo, vai ser uma grande oportunidade para começar a trabalhar mais em plataformas digitais, sabendo-se que este é um dos primeiros sectores a ter sentido a pressão para reduzir as redes de balcões e agências físicas”, considera.

Ao nível da indústria, a Roland Berger desenvolveu um grande projeto de digitalização de diversas áreas do grupo petrolífero francês Total. Agora deverão surgir muitos novos negócios digitais cuja concretização a curto prazo era relativamente improvável antes de ser declarada a pandemia de Covid-19. O que vai acontecer é o aumento do designado unbundling da cadeia de valor, ou seja, a cadeia de valor será separada por atividades para nela poderem participar diferentes intervenientes nessas atividades que passam a desenvolver novas especialidades.

Aquilo que a Roland Berger fez para a Total também já está a realizar para outras indústrias, identificando startups com novas tecnologias que possam otimizar e melhorar o desempenho no processo de negócio destas grandes empresas. Por exemplo, no que toca às petrolíferas são necessárias startups para fazer investigação geológica.

António Bernardo diz que “vão aparecer novas atividades em que se especializam e que as médias e grandes empresas podem integrar através de terceiros, porque são mais eficientes. Seguramente, a digitalização tem aí um papel fortíssimo. Na digitalização da cadeia de valor, o que vai acontecer não é só a digitalização da empresa, mas a digitalização ao longo de toda a cadeia de valor”.

Neste setor, o Governo já alargou por três meses a duração do Startup Voucher e o prazo de atribuição da bolsa mensal para startups com projetos em fase de ideia já aprovados, no máximo mensal de 692 euros, totalizando 2.075 euros. Estas verbas destinam-se a projetos empresariais em fase de ideia promovidos por jovens entre 18 e 35 anos, segundo o despacho do secretário de Estado para a Transição Digital, André de Aragão Azevedo, que destaca o “interesse para a economia nacional em criar condições que promovam o eficaz desenvolvimento de ideias inovadoras, visando o lançamento de novas startup”.

Sobre a digitalização da sociedade, um exemplo atual são as missões empresariais virtuais da Associação Empresarial de Portugal (AEP), que já deram este salto tecnológico, reunindo a partir dos escritórios das empresas em Portugal “com importadores e distribuidores de toda a América Latina, para encontrar potenciais clientes e novos parceiros, melhorar o reconhecimento da marca, reunir informações do sector e expandir negócios”, refere a associação empresarial.

Perante a crise da Covid-19, a AEP pretende “contrariar a estagnação da economia nacional, criando oportunidades de exportação de bens e serviços para as PME portuguesas”, refere, recordando que até à data já organizou mais de 500 ações em mercados externos. Em 2019, contaram-se 34 ações, entre missões empresariais, feiras e missões em 30 mercados, envolvendo mais de 250 empresas. Para 2020, previa-se a passagem por 31 mercados, num total de 37 ações (com 20 feiras, 15 missões e duas missões inversas), que a pandemia obrigou a suspender.

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