Há muitos anos aprendi que o que as pessoas mais desejam na vida é entretenimento (para a esmagadora maioria já não é nem sobrevivência nem conveniência). Trata-se de um processo emocional despoletado e sustentado pelo escapismo da realidade. É esse processo que faz funcionar a ficção nas suas mais diversas formas.

Web Summit, “the largest tech conference in the world”, é um espectáculo de entretenimento em grande escala desfrutado in loco (começa pelo prazer de roçar os ombros nos das outras pessoas na fila da entrada, mas é giro, tamos bem dispostos), e que é amplificado pela televisão, jornais, online, redes, etc e que ainda por cima atrai leaders de todo o mundo que por vezes dizem coisas importantes, como Margrethe Verstager que, se não me engano, será a próxima presidente da Comissão Europeia.

O evento é dedicado a ideias de negócio digitais aparentemente futuristas e oferece escapismo de todas as realidades a milhares de jovens empreendedores seduzidos pela miragem de que em breve poderão strike gold porque tiveram uma ideia espetacular no duche (mito corrente: o duche é a fonte das melhores ideias apesar dos professores explicarem que o processo criativo é bem mais complexo e exigente) e ficarem ricos e famosos como Gates (Microsoft), Jobs (Apple), Brin e Page (Google), Bezos (Amazon) ou Zukerberg (Facebook). Claro, não é grátis, como em todos os tipos de entretimento de qualidade é preciso pagar para ter acesso ao privilegio mas o preço da generalidade dos bilhetes é comparável ao de outras conferências.

Na verdade, o maior atrativo para as dezenas de milhares de pessoas que aqui aterram é a nossa querida Lisboa. Depois dos discursos, Web Summit é melhor à noite, como confessava ontem uma jovem participante a um canal de TV. Ou seja, para além do barulho de luzes oferecido na Altice Arena, há ainda a possibilidade fazer augmented reality sem óculos especiais, apenas com recurso a deliciosos produtos portugueses não-digitais (outro mito: beber uns copos à noite é uma boa oportunidade para fazer networking, uma atividade social a que provavelmente seria mais adequado chamar bonding). Se essa atividade decorrer em Lisboa, numa noite relativamente amena e pacífica no Bairro e na 24 (desde que se evite os Urban Beach), e encontrar, não o futuro parceiro ou parceira de negócios, mas o parceiro ou parceira para a vida, a noite ainda fica mais brilhante. Valeu a pena pagar o bilhete. Diz-se que os candidatos a ricos deixam por cá cerca de 300 milhões de euros nesta bem-vinda extravagancia. É muita massa. Já agora, era bom conhecer como é que se chega a esse número que parece também ele mágico.

A ideia original de apresentação de ideias e projetos em público e ouvir os chamados gurus e role models avaliar o respetivo potencial comercial, e ainda por cima ter o privilégio de os ouvir contar a sua exemplar e motivadora história pessoal, quantas vezes também ela ficcionada, é antiga. Participei há meia dúzia de anos no Stockholm Start Up Day que funciona no formato adotado pelo Web Summit. Era uma coisa séria, sem confetti nem primeiro ministro, para suecos sisudos. Mas, à noite, havia networking numa cervejaria famosa. Há muitos mais anos participei num evento semelhante que anualmente decorre em Toronto para o financiamento de documentários, igual a tantos outros, mas que os norte-americanos souberam desenvolver com a sua habilidade para oshow bizz. O local em Toronto era, adequadamente, um teatro.

O génio de Paddy Cosgrave e dos seus sócios foi terem descoberto através da experiência dos primeiros Web Summits na chuvosa Irlanda de que havia ali uma oportunidade de ouro para ficar rico. O sol de Portugal e o charme de Lisboa eram garantia de Eldorado – o sítio oferece condições ideais para proporcionar 48 horas de entretenimento non-stop baseado na perspetiva, talvez concretizável, de novos negócios digitais. Menosprezar a visão, talento empreendedor de Cosgrave é uma falha de apreciação sobre as qualidades do homem e sobre os méritos da iniciativa de que conseguiu convencer as autoridades portuguesas. É-lhes também devido um cumprimento por terem sabido agarrar a oportunidade para cavalgar um evento que derruba a imagem tramontana que Portugal ainda ostenta e que foi ainda mais carregada pelos catastróficos incêndios. Que contraste!

Pobres portugueses do interior de Portugal, corajosos e verdadeiros empreendedores no ativo atual e tangível e não no hipotético maravilhoso futuro digital, esquecidos e escondidos nas serras e no mato, para quem o Web Summit poderá parecer a mais espúria, inútil e ofensiva das fantasias. Para eles não há como escapar à realidade, dura e, quantas vezes, assassina realidade.