Nomeada há pouco mais de um mês para a chefia do governo britânico, Liz Truss iniciou o seu mandato de forma desastrosa. Se a Rainha Isabel II, de feliz memória, foi a mais longeva soberana do Reino Unido, a sua homónima arrisca-se a ser um dos mais efémeros chefes de governo da história da Velha Albion.
Tão ambiciosa quanto pouco preparada para o lugar, Liz Truss é a confirmação de uma tendência de declínio do Partido Conservador que, nos dias que correm, parece conseguir apenas produzir cópias em versão caricatural dos seus grandes líderes passados. Se Boris Johnson se inspirou na figura de Winston Churchill, a actual primeira-ministra adoptou Margaret Thatcher como seu modelo.
Assim, decidiu-se tomar de empréstimo a sebenta do liberalismo económico da Dama de Ferro, sem atender às diferenças contextuais, considerando que a receita thatcheriana, gizada para corrigir o modelo de economia do pós-guerra, se aplica integralmente ao momento presente.
Guiada por uma vulgata ideológica a que aderiu acriticamente, adesão porventura motivada por uma insuficiência de pensamento próprio sobre a governança – como fica patente na sua conversão apressada e conveniente ao Brexit –, Liz Truss definiu um programa económico doutrinário, simplificado e dogmático, crente de que todos os problemas são resolúveis com base nas mesmas ideias, independentemente do tempo e do lugar. Ora, o que resultou – ainda que com efeitos colaterais não negligenciáveis – nos anos 80, não resultará necessariamente na década de 20 do século XXI.
A decisão de baixar a taxa máxima de imposto sobre os rendimentos, prontamente repudiada por muitos dos deputados do seu partido, o que a obrigou a um recuo, num contexto de aumento de custos para cidadãos e empresas, é resultado desta abordagem ideológica que, além de pouco conservadora, pois os conservadores nutrem uma prudente desconfiança da abstração e dos grandes sistemas de ideias, se revela totalmente deslocada na conjuntura presente, não apenas do ponto de vista da sua eficácia, mas da sua moralidade.
Porém, como sempre sucede aos fiéis de uma ideologia, se as medidas não produzem o efeito previsto, como esta não produziu ao causar perturbação nos mercados, estes não conseguem conceder que as premissas estão erradas ou são desadequadas à conjuntura, antes preferindo acreditar que a realidade se engana, tal como os marxistas, que explicavam o fracasso do seu modelo económico alegando desvios à doutrina ou sabotagens do pernicioso capitalismo. A transferência da culpa é o expediente usual para manter a bondade da ideologia.
Segundo Truss, se o sistema económico liberal tem mostrado deficiências, a resolução não passa por ajustá-lo, mas aprofundá-lo, pois a culpa não é daquele mas dos britânicos que, segundo argumentou, precisam de “mais garra” e “aplicação” como condição de crescimento económico.
Já Jake Berry, dirigente do Partido Conservador, afinando pelo mesmo diapasão, alegou – recuando em seguida – que era dever dos seus concidadãos, face ao aumento dos custos da energia, cortarem nos seus consumos (quais?), ou procurarem empregos com melhor remuneração (como se tal fosse fácil ou sequer, muitas vezes, possível). Em suma, a responsabilidade é sempre dos outros.
Presa aos grilhões da doutrina, Liz Truss arrisca-se a afundar com esta. O problema maior é que poderá arrastar consigo não apenas um partido histórico, que de conservador tem cada vez menos, mas toda uma nação.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.