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Ljubomir Stanisic: “Quando cheguei, faltava orgulho”

Ljubomir Stanisic não deixa ninguém indiferente. O chef do conhecido restaurante 100 Maneiras fez uma rentrée vigorosa, com o lançamento de um livro de receitas, o arranque da segunda temporada do programa televisivo recordista de audiências “Pesadelo na Cozinha” (aos domingos à noite na TVI) e prepara-se para abrir, em novembro próximo, em Lisboa, o seu segundo restaurante.
28 Outubro 2018, 18h00

Ljubomir Stanisic não deixa ninguém indiferente. O chef do conhecido restaurante 100 Maneiras fez uma rentrée vigorosa, com o lançamento de um livro de receitas, o arranque da segunda temporada do programa televisivo recordista de audiências “Pesadelo na Cozinha” (aos domingos à noite na TVI) e prepara-se para abrir, em novembro próximo, em Lisboa, o seu segundo restaurante.

Em entrevista ao Jornal Económico, Ljubo, como é tratado pelos mais íntimos, considera que a cozinha portuguesa é “uma mina de ouro” e admite que tem múltiplas ideias a fervilhar na cabeça. Algumas delas serão trazidas à prática pela sua mão, para bem de todos nós. Pretextos para falar com um ex-jugoslavo apaixonado pela gastronomia nacional.

Este vosso livro de receitas (comidas, cocktails), demonstra um trabalho prolongado, aprofundado e sério. Quanto tempo demorou a trazer cá para fora?

Podemos dizer que levou oito anos, que são os que o Bistro 100 Maneiras completou a 22 de setembro de 2018. Isto porque reúne gente, receitas e histórias que nos acompanham desde o início. É um trabalho que é uma súmula desses anos todos, dessa gente toda, dessas histórias todas… Mas, a pôr no papel, levou cerca de dois meses. Segundo a nossa experiente editora, Marta Ramires, da Casa das Letras/Leya, um autêntico recorde para um livro com mais de 300 páginas “Bistromania – No Bistro como em casa”.

Podemos esperar mais trabalhos desta parceria profissional (Ljubomir e Mónica Franco, mulher, coautora do referido livro e sócia em diversos projetos) no futuro?

Inevitavelmente! A Mónica é a minha ‘sócia’ para tudo. Estamos constantemente a trocar ideias, a “provocar-nos” com ideias e projetos… Costumamos dizer que somos como o ovo e a galinha – nunca sabemos quem ‘nasceu’ primeiro, quem lançou a primeira ‘pedra’. Há sempre muita lenha nesta fogueira, estamos sempre a ateá-la!

É um livro que não cede ao fácil, como se esperaria de quem conhece minimamente o trabalho do Ljubomir. Consideram que vai chegar a que públicos cá em Portugal?

Fizemos um livro que é para todos. Para os clientes fiéis do Bistro e para quem não o conhece – mas que queremos incitar para que conheça! Para quem gosta de cozinhar ou para quem se interessa mais por descobrir as histórias, o meu percurso, o que se passa nos bastidores… Não quisemos criar um livro de receitas puro, quisemos pôr no papel tudo o que nos define: o humor, a paixão, o orgulho pelo que é nacional, o trabalho, a equipa, a história, as artes…

Existe um trabalho muito dedicado e interessante, complexo mesmo, de blending entre tradições culinárias da Bósnia, da Sarajevo natal de Ljubomir, e de Portugal, entre outras influências arejadas. Mais uma vez, em termos gastronómicos, sem qualquer preconceito, como poderemos classificar esta parceria por vós proposta: um casamento perfeito, de ocasião, de conveniência, uma união de facto ou mesmo uma amizade ‘colorida’?

Sem rótulos, sem tabus, sem preconceitos, sem fronteiras, sem limites, 100 Maneiras!

No seguimento deste enlevo apaixonado, há um lema que perpassa, amor, amor, amor, rigor, rigor, rigor. Também respeito pelos ingredientese dedicação pelos clientes. No setor em que se movem, já viram que não é sempre assim?

Quando é bom, é assim. Não há outra hipótese. As pessoas sentem isso: o amor que pomos no prato, o cuidado com que escolhemos os ingredientes, os produtores, a atenção com que cozinhamos cada elemento… E tem de haver o mesmo amor para além da cozinha, no serviço. Uma grande experiência passa, necessariamente, por todas essas partes: a comida, a bebida, o serviço, a decoração do espaço, a música, o ambiente… Queremos que as pessoas se divirtam. Como dizemos no livro, é um trabalho sério mas que pretende fazer sorrir.

Ljubomir, é na cozinha do restaurante, da casa, dos amigos, que mais se concretiza? Ou é um misto disto tudo, consoante as ocasiões?

A cozinha está em todas as partes. É cultura, é história, é relações, ralações… O maior prazer vem de estares a cozinhar um bom produto ou para alguém que amas. Já cozinhei nas melhores cozinhas do mundo (como a do Noma, em Copenhaga), já andei de autocaravana, pela Europa, a cozinhar em parques de campismo, à beira da estrada… e em todos momentos fui igualmente feliz. É a mistura deles todos que me concretiza enquanto cozinheiro e enquanto homem.

E a sua vida de personagem pública, a partir do sucesso da televisão? Dá-lhe dinheiro e fama, mas isso aborrece-o e tira-lhe tempo para o que considera realmente importante para o futuro da sua vida ou deixa-o mais feliz e liberto para continuar a ‘inventar’ numa ‘never ending story’ de novas receitas e projetos gastronómicos?

Não é segredo que não sou o maior fã da fama. O início foi complicado, mas fui aprendendo a lidar com isso: a ser parado na rua, a ter a minha cara nas revistas… É uma consequência natural e só acontece, acredito, porque estamos a fazer um bom trabalho, que é mais uma experiência e me dá a oportunidade de trabalhar com grandes profissionais, como o Manuel Amaro da Costa, o realizador do “Pesadelo na Cozinha”. Mas a televisão é uma parte pequenina de mim. O meu verdadeiro habitat é a cozinha e vai ser sempre aí que vou focar os meus projetos – que são muitos!

Já percebi que é um amante de vinhos, incluindo ou, sobremaneira, os portugueses…

Página 165, um capítulo inteiro dedicado a isso. Impossível não ter! Além de ser um entusiasta e de gostar de cozinhar para determinados vinhos, faço eu próprio os meus blends há uma década e tenho vários vinhos em nome próprio.

Tem o feedback que muitos espetadores dos seus programas televisivos choram em alguns dos seus programas televisivos? Os portugueses são uns lamechas?

Os espetadores enviam-me muitas mensagens. Tento ler todas e responder a todas, embora nem sempre seja possível, mas sim, através delas consigo perceber que é um programa que mexe com elas, que as emociona, que faz chorar – mas espero que, no final, também as faça rir. Não acho que sejam lamechas, acho que sentem que o que estamos ali a fazer é genuíno, que estamos mesmo a tentar ajudar as pessoas – e muitos emocionam-se porque gostariam de, em algum momento da vida deles, ter a oportunidade de receber essa ajuda também. Por isso não, não diria que são lamechas – diria que são humanos.

Tem a noção que muitos que experimentam as suas propostas gastronómicas, nunca mais se calam e tornam-se muito incomodativos para os amigos que têm (ou deixam de ter por causa disso)? Os portugueses são uns fala-barato?

Não tinha. Mas acho óptimo: falem, comam, divirtam-se! É isso que me move: dar prazer aos outros (e a mim próprio).

No entender do Ljubomir, o que falta para a gastronomia portuguesa ser uma das mais conceituadas e prestigiadas do mundo? Falta profissionalismo? Promoção? Mais sofisticação? O quê? Ou será impossível e vamos continuar com este tesouro escondido para alguns milhares de turistas privilegiados que vêm aos locais gastronómicos certos do nosso país e podem provar o melhor que cá se faz?

Em primeiro lugar, quando cheguei, faltava orgulho. Os portugueses estavam sentados em cima de uma mina de ouro, com produtos e uma tradição gastronómica incrível, e não tinham noção disso. O que era português era visto como “pequenino”. Chique era ir ao estrangeiro e comer produtos importados. Isto mudou muito nos últimos anos – e ainda bem. Espero ter tido o meu pequeno contributo, com o primeiro livro que fiz com a Mónica, o “Papa Quilómetros”, que deu um programa de televisão emitido por toda a Europa.

Portugal voltou a apaixonar-se por si próprio: tanto os cozinheiros como os clientes. Basta ver o número de tascas e tabernas contemporâneas de inspiração tradicional que de repente começaram a surgir por todo o lado. Não nos falta profissionalismo nem sofisticação. Estamos a fazer o nosso caminho e o mundo já percebeu que existimos. Portugal – Lisboa, sobretudo, mas também começa a haver espaço para outras regiões, felizmente – está nas bocas do mundo. A nossa gastronomia, as nossas paisagens, as nossas tradições… Na cozinha, especificamente, também há cada vez mais eventos e iniciativas que dinamizam, promovem e valorizam o nosso trabalho, dando-nos a conhecer ao mundo. Temos de continuar este caminho, apoiando-nos uns aos outros, crescendo juntos e respeitando o que é a cozinha e os produtos portugueses sem termos medo de arriscar ou “sair da caixa”.

Sem receitas com o seu toque pessoal (imagino o quanto possa ser difícil) qual será a ementa ideal de gastronomia portuguesa tradicional/moderna que o Ljubomir recomendaria, tendo em conta o já vasto e profundo conhecimento que tem das várias regiões, tradições, costumes e ingredientes do país?

É impossível responder a isso. Há demasiados produtos e tradições, não os posso reduzir a uma ementa. Mas simplicidade e honestidade normalmente são os ingredientes certos para o sucesso.

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