A pouco mais de dois meses da data pré-anunciada como sendo a da saída do Reino Unido da União Europeia (23h00 do próximo dia 29 de março) e no dia em que o Parlamento britânico se deverá pronunciar sobre o acordo de princípio que conduzirá ao Brexit (esta terça-feira, 15 de janeiro) ninguém consegue dizer, com certeza e rigor, o que irá acontecer nesse futuro que é já amanhã e que é hoje mesmo.

Não chegasse o facto, já de si relevante, de a União Europeia (UE) e dos seus 27 Estados-Membros estarem a lidar com uma situação completamente nova, sem igual nem precedente, como o abandono por parte de um dos seus Estados, veio somar-se uma situação política em Londres que também ninguém consegue controlar e muito poucos percebem ou se arriscam sequer a explicar.

Depois de ter sido alcançado o acordo geral de enquadramento técnico entre a União e o Reino, na cimeira do Conselho Europeu de novembro último, quando aparentemente apenas faltaria a sua aprovação por parte do Parlamento de Westmister, sucederam-se todos os factos improváveis de ocorrer que, no seu conjunto, pareceram querer convergir as condições ideais para surgir uma verdadeira tempestade perfeita. No centro da mesma, concitando todas as animosidades, e como não poderia deixar de ser, uma vez mais a primeira-ministra Theresa May.

À medida que se vai aproximando a hora decisiva de os Comuns darem a sua palavra final sobre este processo, durante o dia de hoje, May torna-se no alvo predileto de quem a critica por tudo e pelo seu contrário. Começou por ser criticada, dentro do seu próprio partido, à esquerda por aqueles (poucos) partidários da permanência do Reino na União, e à direita pela ampla maioria dos deputados eurocéticos que viram no acordo celebrado com a UE uma injustificada cedência de Londres a Bruxelas.

Para acalmar as suas próprias hostes, May teve de chegar ao ponto onde, antes, nenhum outro primeiro-ministro havia chegado: prometeu às suas tropas que, em futuras eleições legislativas, não concorreria ao seu cargo. Mas de fora dos tories também choveram as críticas a May. Desde logo dos seus parceiros de coligação governamental, Unionistas da Irlanda do Norte, desconfortáveis com a solução técnica encontrada para o difícil problema da fronteira entre as duas Irlandas no pós-Brexit. Depois, e finalmente, a oposição cerrada que os trabalhistas de Corbyn têm feito ao entendimento assinado com Bruxelas.

Uma oposição, todavia, também ela pouco clara e muito pouco esclarecedora, oscilando entre os que defendem apenas o chumbo do acordo nos Comuns, os que somam a essa exigência a reivindicação de eleições legislativas antecipadas e aqueles que, mais moderadamente, se limitam a reclamar a realização de um segundo referendo – sendo certo que, mesmo entre estes, as divisões são de monta, havendo quem se limite a reclamar a repetição do referendo já realizado e quem defenda que deve ser submetida a referendo a própria lei sobre o Brexit.

Perante esta multiplicação de posições, Corbyn, líder da oposição trabalhista, percorre um caminho quase tão ziguezagueante, quase tão errático e quase tão tortuoso quanto o que Theresa May, enquanto líder do governo, vem trilhando. No entretanto, a Europa da União e a equipa de Barnier olham com estupefação para o espetáculo que vem de Londres e limita-se a afirmar que o Brexit operará mesmo a 29 de março, data fixada unilateralmente pelos britânicos, e que o acordo-quadro já celebrado é insuscetível de ser alterado e será para ser cumprido ou… não.

Ou seja, para a União Europeia – à data que escrevemos estas linhas – parece adquirido que apenas haverá Brexit nos termos acordados ou hard Brexit desregulado e sem qualquer acordo. Mas Brexit haverá sempre. Pelo menos assim o dizem as instituições europeias. Resta saber se assim o pensam, realmente.

Até porque, muito recentemente, em finais do ano transato, numa decisão carregada de significado político, mas muito pouco comentada, apareceu neste processo um novo ator que, habitualmente, assume um papel low-profile, chamado Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). Numa decisão tornada pública, o Tribunal do Luxemburgo veio fazer uma afirmação que, por tão óbvia e evidente, passou despercebida mas que, talvez por ser tão óbvia e evidente deva merecer alguma atenção.

Vieram os juízes do TJUE declarar que a invocação do artigo 50º do Tratado de Lisboa por parte do Reino Unido era unilateralmente revogável e que, portanto, da mesma forma que Londres havia notificado Bruxelas de que pretendia abandonar a UE, nada impedia, do ponto de vista jurídico, que Londres tomasse uma decisão política contrária, que revogasse a primeira, e comunicasse à União que, afinal, permaneceria na mesma. Ou seja, o caminho das pedras estava mostrado

Face à situação sumariamente descrita, é cada vez mais aconselhável o observador atento não se arriscar pelo caminho da previsão que, neste caso, e ainda que a muito poucas horas de distância, se assemelhará muito a pura adivinhação.

Inevitavelmente, as próximas horas (poucas) e os próximos dias (escassos) vão trazer-nos novidades e evoluções num processo que não tem igual nem paralelo e que, tanto quanto a nossa memória consegue alcançar, fez mergulhar o Reino Unido numa situação de instabilidade política sem precedente. Aguardemos, pois, os próximos desenvolvimentos do processo. Bastará esperar algumas horas.