Natal, aquela época especial em que, em França, no próprio dia 25 às três da tarde já tinham sido postos no Rakuten 500 mil novos anúncios de produtos à venda (em janeiro deverão ser quatro milhões), 600 mil no ebay no mesmo dia, triste destino para tantas prendas dadas com carinho; em que, em Inglaterra, milhares de camionistas passaram o Natal nos camiões, retidos na fronteira; em que o Japão anuncia um plano para atingir a neutralidade carbónica em, note-se, 2050; e em que a União Europeia e o Reino Unido chegaram finalmente a acordo sobre o Brexit, aprovado em Bruxelas pelos embaixadores nesta segunda-feira. Se é que se pode chamar acordo, pois não é claro como vai ser implementado. Agora estamos na fase dos detalhes práticos, sendo que as coisas só falham nos detalhes. Não vai ser fácil, pois este é o primeiro acordo de livre-troca na História que é negociado para reduzir liberdades, não para as aumentar. Mas a negociação foi um sucesso – como nos lembra o Failure Institute, o Cambridge Dictionary define fracasso como “a situação em que alguém ou alguma coisa não tem sucesso”, portanto, um conceito fluido com três propriedades: pode acontecer a qualquer um; pode acontecer a algo, não necessariamente a alguém; e depende do que for o “sucesso”, algo tão indefinido, relativo e volúvel quanto “fracasso”. Porém, o fracasso é universal, ao contrário do sucesso: toda a gente falhou pelo menos uma vez, e há até quem falhe todas. É o que desejamos que não aconteça com o Brexit, que permitiu à Teoria dos Jogos criar um exemplo de almanaque de uma situação lose-lose.
Repita-se, o Acordo foi um sucesso. Assim o declarou Jonhson, o mesmo que criou a confusão, e que sempre deu a entender não recear – para não dizer favorecer – um no deal. Anunciou o Acordo aos britânicos como uma vitória, um presente de Rei Mago moderno, como em “A Vida de Brian”, esse extraordinário filme dos Monty Python. Agora vai ser interessante vê-lo vender o Acordo no Parlamento, depois de querer reverter o Acordo de May, assim uma espécie de salto Axel, com a rotação para a direita pois Keir Starmer já disse que os trabalhistas o vão viabilizar “no interesse nacional”. Portanto, resta-lhe a espinhosa missão de convencer o European Research Group (que de European tem pouco) e outros dissidentes conservadores, além dos deputados da Irlanda do Norte. Acredito que o vai conseguir junto dos seus antigos camaradas, até porque não o vejo a reincarnar no século XXI Anakin Skywalker, o único que regressou do lado negro da Força. Para já, tem contra ele os pescadores britânicos e a CBI pediu um período de adaptação às novas regras, algumas só agora conhecidas e outras ainda não desenhadas em concreto. O Brexit tornou-se uma realidade com a sua passagem à fase dois, a fase teológica: vamos em frente e seja o que Deus quiser.