[weglot_switcher]

Luís Marques: “O que mais me chocou foi o amadorismo da gestão do Sporting”

Luís Marques, antigo membro da Comissão de Gestão do Sporting, veio ao Jogo Económico e falou sobre a experiência que teve na SAD do clube e das dificuldades que encontrou nos três meses que antecederam as eleições.
12 Março 2019, 07h48

Como membro da Comissão de Gestão que levou o Sporting até às eleições, ficou surpreendido com a revelação do estado atual do clube?
Como sabe, estive diretamente ligado à SAD do Sporting. Tudo aquilo que foi revelado agora, não foi surpreendente para mim. Todos estes problemas agora revelados estão plenamente identificados. Não pode ser uma surpresa para os sportinguistas porque antes das eleições, a Comissão de Gestão e a SAD falaram sobre a situação do clube. O líder desta Comissão de Gestão, Artur Torres Pereira, chegou a mencionar a situação de falência técnica, algo que depois ficou resolvido. Alertamos os sócios e adeptos várias vezes para a situação difícil em que se encontrava o Sporting.

Do ponto vista pessoal, estava à espera deste cenário?
Fiquei bastante surpreendido, na parte que me cabe. Não porque não estivesse à espera de encontrar uma situação difícil mas porque a situação era pior do que estava à espera.

Em que aspetos?
Por um lado, a nível da gestão de tesouraria de uma empresa…a situação era calamitosa tendo em conta que havia uma dívida a fornecedores de 40 milhões de euros (a agentes e clubes e não nos podemos esquecer que esta tem impacto na avaliação do fair play da UEFA), dos quais 20 milhões eram dívidas vencidas. E o Sporting estava numa situação em que não poderia saldar essas dívidas.
Por outro lado, havia um défice estrutural, ou seja a diferença entre as receitas e os custos correntes, de cerca de 20 milhões de euros. Isto significa que o Sporting terá sempre de realizar receitas adicionais para poder cobrir este défice.

O que é que mais o chocou?
Claramente, o amadorismo da gestão do Sporting. É uma gestão chocantemente amadora, muito pouco profissional, métodos de trabalho e organização que estão completamente ultrapassados na gestão moderna de uma empresa (não falo da gestão de um clube mas de uma empresa). Posso dizer, no entanto, que encontrei muito bons profissionais no Sporting em todas as áreas mas mal enquadrados. Chocou-me também a incapacidade de ligação entre o futebol profissional e o futebol de formação, assim como a prospeção do mercado internacional.

Qual o custo do futebol do Sporting?
Só para termos uma ideia, quando entramos, o futebol do Sporting, entre técnicos e jogadores, tinha um custo de 73 milhões de euros, sendo que há quatro anos esses montantes rondaram os 30 milhões de euros. Foi duplicado o investimento.
Havia 70 jogadores na folha de pagamentos do Sporting. Estando as nossas receitas anuais nos 100 milhões de euros, diga-se que o futebol levava uma fatia de 73% das receitas. Conseguimos baixar esses custos para 65 milhões de euros, o que aconteceu com a saída da equipa técnica de Jorge Jesus, que tinha um peso com alguma relevância.
O Sporting tinha jogadores a mais e qualidade a menos. Como é possível ter 70 jogadores na folha de pagamentos e aproveitar 10% desses atletas para a primeira equipa? Há aqui um acumular de erros e visão estratégia que é flagrante que se reflete nos números e nos resultados desportivos.

Como vê esta operação com a Apollo?
Creio que é uma operação de risco, naturalmente. É motivada pelas circunstâncias de quem está numa situação que tem que tomar uma medida que, em condições normais, não se adotaria para resolver problemas. Antecipar receitas nunca é bom em qualquer empresa e também não será bom para o Sporting. E pelo que sei, esta operação com a Apollo ainda vem do tempo de Bruno de Carvalho. A medida em si tem riscos e mostra fragilidade mas gerir é isto mesmo. São necessários 65 milhões de euros e foi esta forma de conseguir chegar a esse montante.

E ainda há a situação das VMOCS.
Até 2025, há uma situação que tem de ser resolvida e que passa pela transformação das VMOCS em capital do Sporting. O Sporting tem 127 milhões de capital que são estas VMOCS, ou seja, valores mobiliários obrigatoriamente convertíveis em capital. Os bancos adiantaram 128 milhões de euros ao Sporting em contrapartida das VMOCS que, se o Sporting não encontrar nenhuma solução (ou seja, quem fique com essas VMOCS), as entidades bancárias ficarão com capital do Sporting em igual montante. No entanto, as VMOCS que foram emitidas a 1 euro por título têm agora um valor real de 0,30 cêntimos, o que obrigou os bancos a reconhecer esta imparidade. Nos balanços dos bancos já não vamos encontrar lá estes valores, estão sim cerca de 40 milhões de euros. Isto permitirá que o capital do Sporting possa ser aumentado em 127 milhões de euros, o que permitiria que o Sporting pode encontrar um parceiro financeiro que compre este capital e mesmo assim ficará com mais de 70% do capital da SAD. Estas é uma das soluções que pode ser encontrada. Se esta questão for resolvida, diria que o Sporting pode encarar já a próxima época com alguma tranquilidade.

O que tem faltado ao Sporting?
Não foi falta de dinheiro que o Sporting está há 18 anos sem ser campeão. Nos últimos quatro ou cinco anos, o Sporting comprou duzentos e tal jogadores. Portanto, só se pode concluir que foram feitas más opções. O que tem havido é incompetência. Entre os que foram comprados pelo clube, só Islam Slimani foi um excelente negócio para o Sporting. Temos tido excelentes treinadores mas quando isso acontece temos maus presidentes e ninguém consegue explicar este ciclo negativo.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.