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Luísa Pedroso Lima: “A solidão mata mais do que a poluição do ar, a obesidade ou o tabaco”

Estamos cada vez mais inábeis no que respeita a competências sociais. O que é feito da empatia se já não sabemos “ler” os outros? O que é feito do relacionamento ao vivo quando prevalece o digital? Não estaremos afinal mais isolados?
3 Agosto 2019, 09h55

A psicologia social serviu de enquadramento a um ensaio pertinente de Luísa Lima, catedrática de Psicologia Social do ISCTE-IUL, com a chancela da FFMS: “Nós e os outros, o poder dos laços sociais”. Nele contesta a ideia (o culto?) da independência e da individualidade que domina o mundo em que vivemos, e procura mostrar que somos mais o produto da interacção com os outros do que aquele que muitas vezes gostamos de admitir. Chama ainda a atenção para vários perigos e paradoxos, como haver um número crescente de pessoas que se sente só, apesar de “estarmos cada vez mais contactáveis”.

Como encaramos hoje os laços sociais e que consequências tem o isolamento social na vida em sociedade?

O isolamento social sempre foi mal visto. Nascemos equipados com mecanismos que promovem a interação com os outros. As pessoas que se isolam são vistas com estranheza e desconfiança em muitas sociedades e a solitária é um castigo nas prisões. Na publicidade, que é um espelho do que é socialmente valorizado em cada época, as pessoas estão acompanhadas e integradas em famílias, grupos de amigos, equipas. A importância dada aos laços sociais não é de hoje, portanto. Mas hoje há dois aspetos que a investigação tem salientado e que gostaria de referir aqui.

Sabemos agora que, apesar de estarmos cada vez mais contactáveis, o número de pessoas que se sente só tem crescido. Este é um paradoxo interessante e que merece ser explorado. A solidão não implica estar isolado dos outros. Uma pessoa pode viver sem companhia e não se sentir só, ou viver no meio de muita gente e sentir-se muito sozinho. Solidão quer dizer que se sofre porque se gostaria de ter um relacionamento diferente com as pessoas à sua volta: mais íntimo, mais frequente ou com mais gente. E parece que a possibilidade que as redes sociais nos dão de estarmos contactáveis permanentemente não responde, por si só, a essa necessidade de proximidade.

Podemos falar num problema de saúde pública?

Outro resultado recente da investigação é a confirmação de que a solidão não é só triste, mas é um problema de saúde pública. Quem está isolado socialmente tem maior probabilidade de adoecer e de morrer precocemente. É um resultado que é bem conhecido desde há muito tempo. Mas foi quando se colocou a solidão em comparação com outros fatores de risco para a saúde que se percebeu o seu verdadeiro impacto. A solidão mata mais do que a poluição do ar, a obesidade, o consumo de álcool ou tabaco. E, no entanto, temos leis a proteger-nos dos outros riscos, e continuamos a ignorar o impacto a solidão e das relações sociais tensas e violentas na nossa saúde física. Penso que isso se deve ao predomínio do modelo biomédico na investigação em saúde, e da necessidade da existência de um agente físico ou biológico que provoque a doença. O isolamento social, os laços sociais, a integração nos grupos ou a conflitualidade e violência do ambiente em que se vive são variáveis que só num modelo mais alargado da saúde são consideradas como agentes patogénicos.

Há quem fale numa “geração muda” ao referir-se aos jovens que usam o telemóvel para as mais variadas formas de comunicação menos para telefonar,exercer a troca verbal direta de palavras. Sem demonizar as tecnologias, como vê este fenómeno?

É uma questão que me preocupa muito, porque acredito mesmo que estamos a perder com isso. Mandar um SMS é muitas vezes mais rápido do que um telefonema. Encomendar online é mais fácil do que ir à loja. Dar os parabéns ou os pêsames no Facebook é mais prático do que diretamente. Em todas estas opções pela tecnologia podemos pensar antes de escrever. Emendar cinco vezes o texto antes de enviar. Mas na nossa vida, que é social, as interações com os outros vivem do que dizemos e fazemos naquele momento, sem possibilidade de apagar ou voltar atrás. Acho que podemos estar a ficar impreparados para o quotidiano.

Precisamos de estar sempre a verificar as mensagens e os mails que nos chegam, mesmo em situações sociais. Já vi famílias inteiras na mesa do restaurante com cada um debruçado sobre o seu telefone – as crianças cada uma com o seu tablet. Claro que há interação – mostram-se fotos, posts, anedotas que nos chegam. O que não há é a leitura das expressões faciais, a empatia, a adaptação no momento à resposta do outro. E é essa falta de competências sociais que me preocupa, porque é uma via direta para a solidão e para a depressão. Eu costumo dizer que o relacionamento online está para o relacionamento ao vivo como um snack está para uma refeição a sério. Tira a fome mas não alimenta. E se só comermos snacks, vamos ter problemas de saúde.

Não deixa de ser paradoxal que, por um lado, os maiores os progressos da humanidade sejam fruto do trabalho de equipas, e, por outro, que a individualidade seja cada vez mais valorizada e cultivada. Para onde caminhamos?

Temos estado a caminhar para o individualismo, mas temos de arrepiar caminho. Temos de aceitar que mesmo que o objetivo seja a felicidade individual, ela não se constrói com mais coisas, mas com mais pessoas, com mais momentos de partilha, com mais encontros.

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