Escrevo estas linhas à porta do Mobile World Congress de Barcelona, onde vejo à minha volta uma enorme mancha de executivos tecnológicos do sexo masculino. Segundo a base de dados Pitchbook, só 11% do investimento de capital de risco europeu, que conta com menos de 5% de mulheres em cargos diretivos, é destinado a empresas tecnológicas fundadas por empreendedoras do sexo feminino.

Paradoxalmente, o mapa do empreendimento da South Summit demostra que as novas empresas tecnológicas lideradas por mulheres têm um índice de sobrevivência 60% superior, vendem 12% mais e são 35% mais rentáveis que as empresas fundadas por homens.

Mas portas adentro o cenário ainda piora. Este ano, os assistentes virtuais, que permitem a translação imediata de ordens verbais em ação digital, como o acesso a informação ou a ativação de dispositivos domóticos, são omnipresentes. E todos estes assistentes, sem nenhuma exceção, incorporam vozes e têm nomes femininos:  Aura da Movistar (Telefonica); Cortana do Windows; Irene da Renfe; Byx by Samsung. Os assistentes mais conhecidos, Siri da Apple e Alexa da Amazon, não são nenhuma exceção.

Embora as mulheres sejam amplamente consideradas mais eficazes nas funções de atendimento e serviço aos clientes, este enviesamento tecnológico promove a sua coisificação e a consolidação de um estereótipo de género que dificulta a mudança social e deriva nos desequilíbrios observáveis à porta do congresso.

A incorporação nos robôs da ideia de mulher prestável perpetua a sua imagem como auxiliar eficiente, assistente de compras ou ajudante no lar. É a tal “senhora lá de casa”. É algo tão instaurado na sociedade que a atribuição de uma identidade feminina a estas novas máquinas acaba por ser natural, da mesma forma que os obreiros digitais nas fábricas do futuro deverão ser maioritariamente masculinos, nomeadamente nas tarefas mais esforçadas ou arriscadas.

O esforço da “desfeminização” dos assistentes virtuais, deve-se complementar com o fomento do interesse das mulheres pela ciência e pela tecnologia, o que inclusive tem um dia reservado no calendário internacional, o 11 de fevereiro.

Existem já múltiplas associações com este propósito, como o Centro Europeu para as Mulheres e a Tecnologia, que agrupa mais de 130 organizações dedicadas a fomentar a dimensão de género das agendas digitais e a integração das mulheres nas disciplinas científicas e tecnológicas. E a visibilidade atingida por algumas mulheres à frente de gigantes tecnológicos, como Ginni Rometty, CEO da IBM; Susan Wojcicki, CEO da Youtube; ou Meg Whitman, que ocupou cargos relevantes em várias empresas do Silicon Valley, são um contributo fundamental para a desejada normalização.

Evidenciar e combater o sexismo mais ou menos light que existe, como noutros setores, no mundo tecnológico, é particularmente relevante perante a explosão de tecnologias como a realidade virtual e a inteligência artificial que, com os seus algoritmos potencialmente discriminatórios, serão um terreno particularmente fértil para consolidar uma nova era de machismo digital.