Na recente entrevista à “Economist”, o presidente francês sublinhou a necessidade de a Europa “reabrir um diálogo estratégico, sem ingenuidade, com a Rússia”. Emmanuel Macron referiu ainda que a Europa tem direito a ser autónoma, não devendo limitar-se a seguir as determinações americanas, mas sim a repensar a sua relação estratégica com a Rússia, sem que isso impeça a tomada de posições firmes relativamente ao processo de Minsk e à situação na Ucrânia. A relação da Europa com a Rússia levantada por Macron transporta-nos para dois debates importantes: a natureza da ameaça russa e a importância que ela tem atualmente na agenda da Aliança.

A avaliação do potencial estratégico de um Estado, que se ensina nas escolas militares, poderá ajudar-nos a formular possíveis respostas. Recorremos a um exercício simples, em que se considera apenas um número muito reduzido de fatores do potencial estratégico (população, PIB e orçamento de defesa) da Rússia e dos Estados mais importantes da NATO, relativamente a 2019. De acordo com o FMI, o PIB dos EUA ronda os $21,3 biliões (B), da Alemanha $3,96B, do Reino Unido $2,83B e da França $2,76B. O PIB da Rússia ronda os $1,61B, abaixo do PIB da Itália e do Canadá e ligeiramente acima do da Espanha.

Segundo o SIPRI, o orçamento de defesa dos EUA aproxima-se dos 649 mil milhões (MM), da França $63,8MM, Reino Unido $50MM, e da Alemanha $49,5MM. A Rússia aparece em 6.º lugar a nível mundial, atrás da França com $61,4MM. O PIB per capita de Portugal ($23.418) foi mais do dobro do russo ($11.040). Em termos de população, a Alemanha (83,5M) e a França (65M) juntas superam a Rússia (145,8M), que se encontra em declínio e envelhecimento acentuado. A Rússia faz fronteira com mais países (16) do qualquer outro país do mundo, com uma extensão de 20.000 km, uma assinalável vulnerabilidade em matéria defensiva.

Se é válido o que se ensina nas escolas de guerra, apesar de reduzida, a informação aqui considerada não é despicienda quando se pretende avaliar o potencial relativo de combate desfavorável à Rússia, embora mitigado pela posse de um extenso armamento nuclear.

Percebemos a narrativa do alarmismo, insegurança e ansiedade. Felizmente que a retórica não é compaginável com o que se verifica no terreno. Apesar de tão alardeada, a probabilidade de uma ação aventureira russa que descambe num confronto generalizado na Europa é extremamente remota. Os dirigentes russos são atores racionais e estão cientes da correlação de forças existente. A Ucrânia é um parceiro da NATO e como tal não está ao abrigo do art.º V, como qualquer Estado-membro, nomeadamente a Polónia ou os Estados Bálticos.

A ameaça está sobrevalorizada merecendo por isso reavaliação. Grande número de dirigentes europeus tem consciência disso, mas inibe-se de o dizer publicamente para não confrontar os EUA. Macron trouxe esse debate para a praça pública.

A Rússia não é nem será uma potência global. Não tem recursos para isso. Os seus avanços no Médio Oriente, em particular na Síria, e em África poderão tornar-se um custo insustentável. A NATO continua a ser necessária e importante para a Europa, mas terá de rever as suas prioridades e não pode deixar que alguns dos seus Estados-membros sequestrem e se apoderem da sua agenda. As ameaças provenientes do sul não são de menor importância.