Como temos repetidamente assinalado, o maior desafio colocado pelo Brexit prende-se com as suas repercussões geopolíticas e o rearranjo de forças que provocará na Europa. A fórmula de poder mais provável seria um duopólio imperfeito, assimétrico e elástico, constituído pela Alemanha e França, compreendendo dois centros de poder – um diretor e um legitimador –, com diferentes recursos e capacidades, coordenando as suas ações e dividindo influência.

Sempre nos interrogámos como se iria comportar a França, nomeadamente no que respeita à possível acomodação com uma liderança germânica, que permitisse em simultâneo consolidar o eixo franco-alemão, motor do projeto europeu. Seria à partida uma solução natural e de soma positiva para ambas as partes.

Em linha com declarações anteriores, a recente entrevista de Macron à “Economist” veio assertar a ambição da França em matéria de liderança da Europa, confirmando as piores expetativas. A sua ânsia de protagonismo não tem contribuído para a conjugação de esforços com a Alemanha.

Como os casais desavindos que vão passar um fim de semana fora para se reconciliarem, também a França e a Alemanha têm utilizado vários encontros de alto nível para simbolicamente mostrarem o seu firme empenho num projeto comum, como aconteceu em Achen (janeiro de 2018), com juras de fidelidade eterna. Mas a recente entrevista de Macron à “Economist” não ajudou a reforçar a tão desejada e necessária parceria entre aqueles dois países.

A entrevista não se resumiu ao sound bite da “brain death” da NATO. Foi mais do que isso sem, contudo, acrescentar nada ao que Macron tem vindo a dizer sobre segurança europeia nos dois últimos anos. Os editores da “Economist” não perderam a oportunidade para tecerem comentários ácidos a Macron, mostrando que o peso da história ainda causa indigestões.

Macron manteve a sua recusa em apoiar as negociações com vista ao acesso da Albânia e da Macedónia do Norte, sem a reforma da União Europeia (UE) e das regras de adesão (não deixa de ser cínico, nas atuais circunstâncias, a “Economist” aproveitar a entrevista para criticar Macron por ser contra o alargamento da UE). Entre outros temas, Macron defendeu ainda a normalização das relações com a Rússia na lógica de uma nova ordem europeia.

Macron não está longe da verdade quando diz que a Europa está “à beira do precipício”, que necessita pensar estrategicamente como uma potência geopolítica, que se não forem tomadas medidas “não controlaremos o nosso destino”, e corre o risco de desaparecer geopoliticamente. Sublinhou ainda a necessidade de uma soberania europeia: a capacidade coletiva para defender os seus interesses (compreendemos o desconforto que estas afirmações possam ter causado no entrevistador).

Foi, no entanto, para além dos limites quando utilizou a falta de confiança na América para defender a necessidade de a Europa desenvolver uma força militar própria, quando não é tempo para ter esse debate, nem estão reunidas as condições mínimas para que tal aconteça.

O que disse Macron poderia fazer sentido, não fossem as fortes suspeitas de uma ambição hegemónica francesa para liderar o projeto europeu. Não só não tem condições para o fazer como subverte a desejada liderança bipartida com a Alemanha. Para pior já basta assim.