A diferença entre uma democracia representativa e uma democracia “popular” (ou directa) está na qualidade. Ou seja, uma democracia representativa consegue traduzir melhor a voz dos cidadãos.
Como diziam os pais fundadores dos EUA o verdadeiro republicanismo está na representação. Só o filtro representativo, pode evitar as facções e a corrupção (ou seja os interesses particulares ou sectários). A democracia directa, pela via da decisão na praça pública ou a que assenta exclusivamente no referendo pode não traduzir a verdadeira vontade do povo (ou a fazê-lo de forma enviesada).
Neste último modelo, as minorias tendem a prevalecer e a apelar a soluções populistas ou mesmo irrealistas. Não nego o funcionamento positivo de certas soluções referendárias embora sempre conciliadas com mecanismos representativos, como na Suíça. Mas a verdade é que em nenhum Estado actual se governa através do voto na praça pública ou pelo recurso a comícios regulares.
Contudo, a França e os franceses parecem aderir a uma forma de acção que é de duvidosa democraticidade porque se manifesta através de comícios, bloqueios e violências regulares como forma de expressão da vontade popular. O último número da “Obs” está cheio de boas vontades académicas considerando as propostas dos amarelos como “interessantes”. Mas a verdade é que tal expressão é ultra minoritária e do ponto de vista das propostas apresentadas altamente contraditória.
Como é possível interpretar a vontade popular que resulta de bloqueios provocados por 100.000 pessoas e da violência causada por 2.000, quando os eleitores franceses são cerca de 50 milhões? Há quem diga que assistimos a uma revolução ou a uma insurreição. Mas se assim é não estamos já no domínio das expressões democráticas, por imperfeitas ou perigosas que sejam, mas de ofensas ao Estado de Direito, à Democracia e à Constituição como tal previstas no Código Penal. Por menos que isto os líderes independentistas catalães estão presos e aguardam julgamento.
E contudo o Presidente Macron, dando sinal de fraqueza, cedeu aos apelos dos “coletes amarelos” despejando dinheiro dos impostos sobre o salário mínimo nacional e suspendendo medidas justas que visavam efeitos ecológicos para calar a rua. Esperará ele que as minorias radicais que fazem da demagogia e da violência os seus argumentos alguma vez o escutem (já não falo em agradecimento)? Como na Revolução Francesa, o “povo” só se contentará com a cabeça de Júpiter.
Governar é tomar decisões difíceis, quantas delas com manifesto incómodo e mesmo oposição dos cidadãos. E é por isso que os verdadeiros estadistas, os que a História regista para além de uma simples nota de pé de página, como De Gaulle, não são os que cedem às pressões da turbamulta ou que só aparecem no momento de dar boas notícias. Justamente porque têm a legitimidade do voto popular pela via da democracia representativa podem e devem agir, tomando decisões impopulares em nome e em defesa do povo. Dou o benefício da dúvida a Macron. Mas o seu percurso até ao fim do quinquénio ameaça tornar -se uma verdadeira “via crucis” .
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.