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Maddie McCann: Como os britânicos colocaram em causa a polícia portuguesa

Nunca o desaparecimento de uma criança tinha gerado tanta atenção mediática. Aconteceu em Portugal e, tal como em maio de 2007, ainda existem muitas dúvidas. O livro “A Guerra dos McCann” mostra o envolvimento do governo de Londres neste caso.
11 Maio 2019, 16h00

O desaparecimento da menina inglesa Madeleine McCann num resort algarvio, a 3 de maio de 2007, continua repleto de ‘zonas cinzentas’. Doze anos depois, o caso continua a ser investigado e os factos conhecidos voltam a figurar nas capas dos jornais. O caso tornou-se conhecido em todo o mundo, sendo, até à data, o desaparecimento com maior cobertura mediática. Na altura, foram muitos os jornalistas, das mais diversas nacionalidades, que ocuparam a pacata vila algarvia da Praia da Luz, que era, até à data, destino de reforma para muitos britânicos.

Ainda envolta em mistério, a “Operação Grange” foi reaberta pelo governo britânico e tem sido conduzida pelas autoridades do Reino Unido desde 2011. Até à presente data, a Polícia Metropolitana inglesa já gastou mais de 11,75 milhões de libras (13,5 milhões de euros) para procurar o paradeiro da menina que desapareceu dias antes do seu quarto aniversário, que seria festejado a 12 de maio.

O documentário da Netflix “O Desaparecimento de Madeleine McCann” foca-se no mistério que envolveu a investigação liderada pelo inspetor Gonçalo Amaral, da Polícia Judiciária (PJ) do Algarve. A estreia aconteceu a 15 de março e a plataforma de streaming lançou os oito episódios que sintetizam a história que teve lugar há 12 anos.

A reconsituição do desaparecimento que chocou o mundo foi realizado ao longo de três anos, com um custo total de 20 milhões de dólares (18 milhões de euros), sendo que cada episódio tem uma hora de duração.

Apesar de a produção da Netflix não contar com o testemunho dos pais nem dos amigos que os acompanhavam na viagem ao Algarve, conseguiu utilizar gravações de voz do casal durante o período em que estes falaram com a imprensa. E o realizador do documentário, Chris Smith, conseguiu obter entrevistas inéditas com alguns intervenientes que se revelaram bastante importantes na investigação, nomeadamente com Robert Murat, apontado como principal suspeito, e Gonçalo Amaral, o inspetor da PJ que mais tarde foi afastado do caso por insistir na culpa de Kate e Gerry McCann no desaparecimento da própria filha.

Recordar “A Guerra dos McCann”

Ainda que Maddie tenha sido dada como desaparecida há doze anos, e apesar de vários relatos de avistamentos um pouco por todo o mundo, nunca mais se soube do paradeiro da menina. O jornalista e escritor Paulo Reis lançou, no final de abril, “A Guerra dos McCann”, um livro em formato online no qual descreve os permanentes e persistentes ataques da imprensa inglesa à investigação da PJ e, em particular, a Gonçalo Amaral.

Em entrevista ao Jornal Económico, o autor assumiu que o objetivo dos ataques da comunicação inglesa se prendiam com a vontade de “reforçar a tese de rapto por parte de uma rede pedófila e afastar qualquer hipótese de suspeitas de um eventual envolvimento dos pais”. Ainda assim, Paulo Reis vai mais longe e garante que a estratégia focou-se na “destruição da credibilidade da investigação da PJ, destruição da imagem de Gonçalo Amaral, uma vez que o apelidaram de polícia bêbedo, e em retratar Portugal como um paraíso de pedófilos”.

Num excerto do ebook, ao qual o JE teve acesso, Paulo Reis conta que Gordon Brown, então primeiro-ministro britânico, em fins de 2007, encontrou José Sócrates numa conferência e lhe pediu para que a polícia fosse mais ativa e que colaborasse com o casal. Sócrates assumiu que era preciso deixar a polícia investigar o caso para que este não se tornasse em uma típica telenovela. Ainda assim, Paulo Reis assume que não tem dúvidas de que existiu algum tipo de interferência governamental da parte britânica.

Na sua pesquisa para escrever o livro “A Guerra dos McCann”, o autor analisou a campanha “no stone unturned”, em que o casal pretendia realizar um evento musical “não na altura do primeiro aniversário do desaparecimento”. “Será antes disso, talvez em finais deste ano [de 2007]”, referiu Gerry McCann, algo que não chegou a acontecer.

Ainda a analisar pormenores da investigação, Paulo Reis salienta que a PJ pediu aos amigos do casal para fazerem uma reconstituição dos eventos, mas que estes recusaram. Segundo Gonçalo Amaral, quando a polícia chegou ao aldeamento turístico, às 23h30, o grupo estava sentado à mesa a fazer uma lista com os nomes e as horas a que iam ver a menina e os irmãos mai novos. No entanto, em cima da mesa constavam duas listas com horas e nomes diferentes, o que levantou suspeitas, garante o escritor e jornalista. Quando questionado sobre o desfecho deste caso, assume que “será o mesmo do Kennedy e da morte de Sá Carneiro”, uma vez que existem “muitas teses e muitas teorias” mas nenhuma conclusão: “Tenho a certeza de que há coisas que os McCann e os amigos nunca revelaram, e baseio isto no facto de eles negarem fazer a reconstituição”. Paulo Reis garante que este caso nunca deverá ser encerrado por haver nove pessoas envolvidas. “Será que algum deles vai quebrar e não aguenta mais a pressão do segredo?”, questiona-se.

Artigo publicado na edição nº 1986, de 26 de abril, do Jornal Económico

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