O improvável tema do momento – e que tem 500 anos – nasce da polémica que de súbito rebentou acerca da viagem de circum-navegação. A Real Academia de História espanhola e alguns historiadores portugueses terçam armas em defesa da prioridade de cada país a celebrar o feito. Ou seja, para uns só contaria Castela que patrocinou a viagem e para outros sem conhecimento científico português não havia sequer viagem.

O ponto é que ambos têm parcialmente razão. Mas o que mais surpreende nesta disputa, porque era suposto não haver já atrevimento para tal, é a despudorada utilização da “História” com propósitos explicitamente políticos. Do lado espanhol os historiadores prestaram-se a enxovalhar o governo socialista de Suárez não se demarcando sequer do tom eleitoral em que vive actualmente Espanha. E do lado português recrudesceu a perspectiva, corrente na minha instrução primária, durante o Estado Novo, de só falar em Magalhães esquecendo Elcano.

Do que tenho lido destacava apesar de tudo dois excelentes ensaios: do historiador português Luís Filipe Thomaz, “O Drama de Magalhães”, e do espanhol Augustín Rodríguez González, “La primera vuelta al Mundo”. Ambos trabalhos esclarecidos e fundamentados, que se afastam da utilização da História com fins políticos e tratam o tema sem preconceitos (se bem que no caso de González haja espaço para um feroz ataque aos historiadores ingleses que reivindicam uma pioneira volta ao mundo liderada pelo corsário Drake).

E ambos, ao fim e ao cabo, parecendo reconhecer que na origem da actual birra ibérica está uma realidade com séculos, bem resumida pelo político britânico do século XIX, Lorde Stanley of Alderley: “Os espanhóis não toleraram ser mandados por um português e os portugueses ainda não perdoaram a Magalhães tê-los abandonado para servir Castela”. O que não significa, digo eu, que a História se possa prestar a ser utilizada para ajustes de contas dessa ou de qualquer outra natureza.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.