Christine Lagarde, presidente do BCE, admitiu ontem aquilo que muitos analistas têm vindo a afirmar ao longo do último ano e meio: a subida da inflação – que em janeiro atingiu um novo recorde na zona euro, de 5,1% – poderá obrigar o banco central a subir as taxas de juro já no final de 2022 e não no próximo ano, como sinalizara anteriormente, seguindo os passos da Reserva Federal e do Banco de Inglaterra.

O BCE está perante um dilema. Por um lado, se deixar a inflação à solta, torcendo para que comece a descer após o frio do inverno, corre o risco de deixar que este “imposto escondido” roube ainda mais poder de compra aos europeus, penalizando sobretudo as pessoas com menores rendimentos.

Isto poderá provocar tensões sociais em países chave da zona euro – como a Alemanha – e contribuir ainda mais para a subida da inflação, porque mais tarde ou mais cedo irão surgir reivindicações de salários mais altos, transformando a alta dos preços num fenómeno estrutural. Não por acaso, e de forma emblemática, os trabalhadores do próprio BCE foram dos primeiros a exigir um aumento salarial de maneira a fazer face à subida da inflação, numa altura em que a posição do banco central era que a subida dos preços seria transitória.

Por outro lado, o BCE tem consciência de que a subida das taxas de juro vai dificultar a recuperação da economia europeia e pressionar as contas públicas dos Estados-membros, sobretudo daqueles que, como Itália ou Portugal, estão mais endividados.

Neste contexto, o novo Governo de António Costa não terá a vida fácil neste domínio. A era do dinheiro barato estará a chegar ao fim (embora provavelmente no longo prazo não seja bem assim, devido ao envelhecimento da população europeia) e Portugal terá de conseguir manter contas públicas equilibradas e aumentar de forma significativa a produtividade da sua economia. Objetivos que um Executivo agarrado a uma ‘geringonça’ dificilmente conseguiria cumprir.

Neste sentido, um Governo de maioria absoluta terá condições ímpares para conseguir manter as contas públicas sob controlo e ao mesmo tempo implementar as reformas de que o país necessita para que a economia possa crescer. Saiba António Costa aproveitar essas condições. Até porque maioria absoluta significa responsabilidade absoluta.