No passado domingo, Javier Milei, o político argentino da extrema-direita, líder da coligação La Libertad Avanza, ficou em primeiro lugar nas eleições primárias, abrindo caminho a uma possível vitória nas eleições presidenciais argentinas, que se realizam em outubro.

As fotografias e vídeos que circulam nas redes sociais mostram, claramente, que Milei é mais um candidato do movimento global que elegeu Trump e segue o mesmo manual de conduta populista. Em anos recentes conquistou notoriedade mediática no mundo dos talk-shows e viu a sua popularidade aumentar, o que lhe permitiu ser eleito deputado por Buenos Aires, em 2021.

Tem sido descrito pela imprensa como um instrutor de sexo tântrico e estrela rock, com um estilo pessoal excêntrico e que corta em absoluto com a imagem tradicional dos políticos. Os vídeos de campanha mostram uma personalidade agressiva, misógina, polémica e radicalizada. Com uma carreira académica extensa na área da Economia, descreve-se como anarcocapitalista.

O choque da sua vitória nas primárias não é para menos. O seu programa eleitoral defende medidas extremas como a dolarização da economia argentina, o fim do Banco Central, a redução do Estado Social, o fim da escolaridade obrigatória e medidas indescritíveis como a legalização da venda de órgãos (sim, leu bem). E, claro, para completar o pacote extremista, é negacionista das alterações climáticas.

A figura de Milei não é muito diferente do pior que tem emergido na política internacional nos últimos anos, mas é importante compreender o contexto em que surge. Desde 2015, a Argentina tem estado mergulhada em crise, com uma das taxas de inflação mais elevadas do mundo, a somar a diversos bailouts do FMI, à pandemia Covid-19 e à guerra na Ucrânia, que vieram agudizar a já grave crise social e económica.

Pode dizer-se que a Argentina prefere arder ao votar em alguém tão alucinado e perigoso como Milei, mas o grito contra a política tradicional – as “castas” – que deu força à sua coligação, revela que as forças políticas peronistas e kirchneristas que têm alternado no poder há décadas estão esgotadas e precisam de definir um novo rumo. Quanto mais as pessoas se sentirem forçadas a adotar um modo de sobrevivência exasperante, mais o populismo antissistema vai continuar a ganhar tração.

Portugal não está imune a este fenómeno, mas teimamos em ignorar o extremo cansaço do eleitorado, com pesadas consequências para o futuro.