Nos últimos dias, a propósito da discussão do que se vai sabendo e especulando sobre a proposta do Governo relativamente ao Orçamento do Estado (OE) para 2024, veio a público um estudo preparado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e do ISCTE, sobre as preferências orçamentais dos Portugueses.

Segundo este estudo, uma apreciável maioria dos inquiridos (64%) refere preferir que o Governo baixe “os impostos sobre as famílias e as empresas, para ficarem com mais dinheiro para poupar, investir ou pagar despesas”.

Como é natural, dadas as circunstâncias em que Portugal tem vivido nestes últimos tempos, não é de admirar que esse objectivo seja quase consensual. O que já se afigura menos compreensível é a forma como os inquiridos sugerem que seja financiada esta baixa de impostos: 74% recusam uma redução das despesas sociais, e 58% não querem que o défice aumente. Por outro lado, 28% dos respondentes elegem como prioritário o aumento das despesas sociais do Estado, mas 74% recusam que esse aumento seja feito à custa de mais impostos, e 51% de crescimento do défice.

Temos, portanto, um problema interessante e complicado. Efectivamente, os impostos e as contribuições sociais pagas pelos trabalhadores e empresas são a principal fonte de receita do OE. É esse dinheiro que o Estado usa para fazer face às suas responsabilidades, sendo que as despesas sociais representam também uma parte importante destas, cerca de 40% do total. Quando as despesas previstas são em valor superior às receitas, será necessário que o Estado recorra ao défice.

Ora, aparentemente, os Portugueses pretendem que o Orçamento do Estado preveja menos receitas, mas querem simultaneamente que o Estado não reduza as suas despesas “em áreas como a saúde, a educação ou as prestações sociais para melhorar os serviços públicos e apoiar quem precisa” e que não aumente o défice “para baixar a dívida pública que, mais tarde ou mais cedo, vai ter de ser paga por todos”.

Devo desde já dizer que me parece que estes desejos são perfeitamente compreensíveis. Não é difícil entender que as pessoas querem ter mais e melhores serviços públicos, mais e melhores iniciativas para corrigir os desequilíbrios sociais, e tudo isto a menor custo e com menos desperdício. Julgo até que será possível admitir que se a questão fosse colocada nestes exactos termos teríamos um amplíssimo consenso favorável.

O que já me preocupa mais é a resposta, ou melhor a ausência de resposta, à pergunta que inevitavelmente teria de ser feita a seguir: como vamos fazer para conseguir atingir estes objectivos tão consensuais.

Devo dizer que no actual quadro institucional, em que o Estado assumiu uma dimensão gigantesca, tendo multiplicado as suas funções e distribuído as suas responsabilidades por uma enormidade de instituições e níveis que muitas vezes se entrechocam, não me parece que possamos chegar lá.

Mas este crescimento do Estado resulta de percepções relativas a necessidade de intervenção que se formam na sociedade em resposta a crises, críticas ou ambições de desenvolvimento. Criaram-se autarquias, entidades e serviços públicos para promover o desenvolvimento regional e local. Esse desenvolvimento induziu novas necessidades e exigências por parte das populações. Essas necessidade e aspirações levam ao desenvolvimento de novas indústrias ou actividades económicas e modelos de negócio. Foram então criados reguladores independentes para garantir equidade e transparência nos mercados.

Por outro lado, a necessidade de garantir alguma harmonia no desenvolvimento local levou à criação de entidades com competências de coordenação e harmonização a nível regional e nacional. Tudo isto resultou numa explosão de regulamentação e burocracia que a Administração Pública tem dificuldade em gerir resolver.

O Estado que criámos tem, assim, vindo a manifestar uma tendência imparável para fazer mais, ter mais responsabilidades, ter uma intervenção mais visível em cada vez mais actividades, áreas e sectores – na maioria das vezes em resposta a necessidades ou desejos sociais. Isso, em si, não é mau. O problema é que tudo é feito numa perspectiva de resolução de questões imediatas e não com base numa reflexão estratégica integrada.

Um comentador disse num dos noticiários deste fim de semana que “o Governo tem um enorme apetite por impostos”. Penso que esta leitura é redutora. Quem verdadeiramente tem um insaciável apetite por impostos é o Estado. É para esse Estado que estamos a preparar mais um orçamento.

É sobre o Estado que temos e queremos ter que se deveria travar um verdadeiro debate nacional. É pena que se continuem a preparar orçamentos para um Estado que não é objecto de uma análise séria, que permita identificar e definir correctamente as prioridades a que ele deve responder, e que configurará o quadro institucional adequado a responder a essas prioridades.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.