Prolifera uma certa demagogia em torno das moratórias e do endividamento das famílias, “à boleia” do que sucedeu no passado quanto aos fenómenos registados de sobre endividamento durante a última crise financeira. De forma discreta, silenciosa, o mercado mudou muito.

Ganharam todas as partes: as Instituições Financeiras, que viram melhorias substanciais na qualidade do crédito concedido, e os Consumidores, que passaram a usufruir dos benefícios de maior rigor no ajustamento das soluções de crédito às suas verdadeiras possibilidades.

Recentemente, o Departamento de Estabilidade Financeira do Banco de Portugal publicou um relatório que retrata bem a evolução ocorrida desde a introdução da recomendação dirigida aos novos contratos de crédito aos consumidores celebrados desde julho de 2018.

As orientações contribuíram para “disciplinar” o mercado quanto a uma mais correta aferição da capacidade financeira dos consumidores honrarem com os compromissos assumidos. Foi introduzido o conceito transversal de DSTI (Debt Service to Income), levando a que objetivamente, seja calculado o peso que o serviço de dívida vai ter sobre os rendimentos auferidos pelas famílias.

E foi estabelecida a recomendação de 50%., prevendo-se pequenas exceções de ultrapassagem desse valor. Daqui, resultou que, no final de 2020, 93% dos novos contratos celebrados apresentavam um rácio de DSTI até 50%.

Das mesmas medidas, consta a meta de uma progressiva diminuição dos prazos dos contratos, quer de crédito à habitação, quer de crédito ao consumo. A “ilusão” de uma prestação baixa, quer por via de um prazo alargado de pagamento do crédito, quer por via de uma taxa de juro historicamente baixa apresentava sinais de preocupante tentação de “crédito fácil”.

Ora, refere o mesmo relatório que a maturidade média dos contratos de crédito ao consumo passaram, em 2020, de 7,9 para 7,4 anos, a que não é alheia a medida macroprudencial introduzida há precisamente um ano, de limitação a sete anos o prazo máximo de contratação de crédito pessoal (anteriormente fixada em 10 anos).

Não posso deixar de refletir sobre a situação atual respeitante às condições do crédito com a finalidade automóvel, cujos prazos máximos de contratação de crédito apontam ainda para os 10 anos. Num contexto de alterações significativas de tecnologia a convergir para as metas de descarbonização anunciadas, a desvalorização das viaturas a combustão, que são apresentadas como garantia nesses empréstimos, não se ajusta a prazos tão longos de financiamento.

Estas medidas, quando aplicadas transversalmente, têm efeitos positivos também no que diz respeito às condições de concorrência entre Instituições, uma vez que estabelecem princípios de competição mais objetivos, conducentes a evitar desequilíbrios de mercado.

Importa referir que o fim do período das moratórias de crédito não dita qualquer inflexibilidade por parte das Instituições quanto à procura de soluções para os mutuários que se apresentem em dificuldade no contexto que atravessamos.

Pelo contrário, o sistema tem mecanismos instituídos (Plano de Ação para o Risco de Incumprimento – PARI, e Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – PERSI, consagrados no DL 227/2012) e procedimentos que se aperfeiçoaram, no sentido de responder às necessidades decorrentes da degradação das condições de cumprimento provocadas pelo contexto. Porque as Instituições Financeiras são as primeiras interessadas no integral cumprimento das responsabilidades dos seus clientes.